Por Jonas Ayres
OS DONS DO ESPÍRITO
Dos assuntos controversos e polêmicos da igreja no momento atual, o “Movimento Carismático” é um dos que estão mais em voga. Igrejas de linha reformada resistem ao que se designa como “Pentecostal Reformado”, taxando por muitas vezes como “onda teológica”.
Na igreja brasileira não temos como fugir do tema pois ao falar no charisma ou “segunda benção” certamente estaremos atingindo grande parcela da igreja, seja ela de tradição histórica ou pentecostal.
É impossível presumir que num espaço tão curto seria possível aparar todas as arestas do assunto e resolver todos os dilemas que envolvem as equivocadas generalizações e reducionismos que estão em torno do assunto.
Rever o que a Bíblia ensina sobre os dons do Espírito é uma tarefa extremamente atual para a manutenção de um ambiente de comunidade messiânica sadio. Para tal tanto os pastores através do ambiente de púlpito como os demais membros da diakonia devem dedicar-se ao estudo e ensino de passagens como Rm 12, 1Co 12-14 e Ef 4 e estudo complementar das doutrinas sobre serviço e do sacerdócio dos crentes.
Existe farto material literário para estudo em grupo e para reflexão pessoal para que haja uma respeitosa conclusão sobre o tema. Como tudo na vida cristã deve ser pautado em amor a Deus e norteado pela Bíblia, pensar sobre o assunto sobre os ombros dos gigantes pode facilitar. Veja como CARSON (2013, p.190) lidou com o assunto ao instruir a comunidade de fé que pastoreava (especificamente sobre o falar em línguas, muito embora haja variedade de dons, a ênfase popular recaí sobre a glossolalia):
A conclusão foi que não encorajaríamos o falar em línguas nas reuniões públicas, mas não nos oporíamos caso acontecesse, desde que ocorresse de acordo com as estipulações de Paulo. De qualquer forma, aqueles que acreditavam ter esse dom seriam encorajados a usá-lo em sua privacidade, e não nas reuniões públicas, em que as pessoas que ainda tinham suspeitas sobre as ocorrências do fenômeno poderiam se sentir um tanto desconfortáveis.
Para ampliar o conceito de comunidade (atos na igreja para o benefício da comunidade messiânica), HARRIS (2014, p.29) procura dar amplitude aos dons para benefícios individuais e coletivos:
Meu argumento é: todos os dons do Espírito Santo – línguas ou ensino, profecia ou misericórdia, cura ou socorro – são dados, dentre outras razões, para a edificação, o desenvolvimento, o encorajamento, a instrução, a consolação e a santificação do Corpo de Cristo.
O tema é exaustivo e requer reflexão madura pela igreja que procura ter uma eclesiologia madura. Ambas as obras de CARSON e HARRIS são recomendadas para a formação de uma cosmovisão cristã equilibrada quanto aos dons[1].
GRUPOS DE COMUNHÃO
Dentro de uma comunidade formada por um número grande de pessoas certamente acontecerá identificação entre pessoas que exercem funções parecidas dentro do corpo, ou seja, músicos certamente estarão mais próximos de músicos, assim como evangelistas de outros evangelistas.
Os assistentes sociais estarão envolvidos com o socorro e os que se identificam com esta causa, assim como os professores de escola bíblica estarão próximos trocando ideias pela própria identificação ministerial. Eis um fato comum devido à própria vocação dos santos. Devido a isso, a igreja precisa fomentar grupos pequenos de comunhão como grupos de missão ou ministérios especiais. Estes grupos podem ser especialmente efetivos para o trabalho social da igreja ou seu testemunho por meio de justiça. A criação de grupos de ministérios ajuda a resolver o problema do “inchaço” ou “koinonite”[2] que às vezes aflige as igrejas.
Este “problema” costuma setorizar a igreja ao invés de envolver o corpo na missão. Se um ministério na igreja julga ser mais importante ou ter mais brilho que outro, faz-se necessário voltar ao começo de todas as coisas e reaprender o Evangelho. As palavras de STOTT (2013, p.84) são muito pertinentes para o momento da igreja contemporânea que viveu uma explosão de grandes comunidades:
Mas essa necessidade básica reconhecida pela Bíblia não é completamente suprida pela freqüência dominical à igreja nem mesmo às maiores reuniões da igreja durante a semana. Sempre há algo de antinatural e subumano nas grandes multidões. A tendência é serem mais agregações do que congregações – agregações de pessoas desconectadas. Quanto mais crescem, tanto menos os indivíduos que as compõem conhecem os outros e se importam com eles. Na verdade, as multidões de fato perpetuar a solidão, em vez de curá-la. Há uma necessidade, então, que as grandes congregações sejam divididas em pequenos grupos, como se imagina que as igrejas nos lares eram nos dias do Novo Testamento. O valor do grupo pequeno é que pode se tornar uma comunidade de pessoas relacionadas entre si e, nela, não se perde o benefício da relação pessoal nem se foge do seu desafio.
Grupos de comunhão focadas na justiça do reino, no testemunho, na ação social e nas práticas espirituais comum a todo crente (adoração, oração, estudo e leitura bíblica) ajudam a evitar a “koinonite”.
POPULAÇÃO
A comunidade messiânica não está presa nem confinada aos muros, grades e portões. Não deve ser um aglomerado de pessoas que se reúnem uma vez por semana para participar do clube de convívio e exercer um ministério (seja qual for) pelo simples motivo de alimentar seu próprio ego.
A missão é identificar segmentos da população ao redor especialmente abertos para o evangelho em lugares em que seria possível plantar novas igrejas. Estes grupos podem incluir pobres de centros decadentes ou periferias, grupos étnicos, pessoas internadas em hospitais, asilos, prisões, a maioria esquecida pela sociedade.
Ou ainda reunindo duas ou três famílias, com apoio ativo de toda a igreja, podem iniciar um ministério evangelístico como este, que poderia culminar em uma nova igreja no futuro. A velocidade da mudança de pensamento das pessoas em geral nos últimos cem anos é impressionante. Mudou o pensamento, mudou a cultura, os costumes, as estruturas, as crenças. Vivemos num tempo surrado pela modernidade, espremido pela pós-modernidade e encharcado pela pluralidade. Se a inércia dominar a missão não se alcançarão parcelas da população que estão “ali” na esquina da rua abaixo da igreja. Citando GIBBS (2012, p.258):
Na sociedade contemporânea, que está cada vez mais permeada pelo pensamento pós-moderno, igrejas que mantém a mentalidade precisam se transformar em comunidades missionais, o que implicará em descentralizar suas operações. Líderes de igrejas terão que facilitar essa transição dando maior prioridade ao trabalho fora da instituição, funcionando como equipes de cristãos localizados em um mundo altamente polarizado e pluralista. De uma estratégia de convite a igreja deve mudar para uma infiltração, para ser uma presença de Jesus transformadora.
Infiltrar a igreja na população. Este é um meio de levar a mensagem transformadora do Rei Jesus para as pessoas que estão “do lado de fora”. Existem muitos manuais, meios, métodos e cursos para ensinar o como fazer, mas é preciso despertar na igreja o fazer e realizar.
Quando se observa numa igreja movimentos fora do templo, certamente algo já está sendo feito. Ainda que visitas em asilos, orfanatos, comunidades carentes, vidas excluídas. Ou mesmo um trabalho regular de ensino em lares. Palestras e inserções sobre a cosmovisão cristã para estudantes de nível médio e universitário. HECHT (2015, p.269) fala assim sobre este relacionamento: “Isso tem a ver com conectar-se com o não cristão em um ambiente relacional que lhe permita passar de uma posição de pouco entendimento sobre Deus e a Bíblia para uma atitude de abertura e interesse”.
Tais trabalhos são frentes de missão que infiltram o Evangelho e levam a esperança de Jesus Cristo para os aflitos. Produzem a relação fiel com não cristãos para que possam enxergar a luz.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao observar os rumos que a igreja evangélica brasileira tem seguido se comparado com as propostas de Howard Snyder e complemento em Mark Dever, John Stott e Ed Stetzer, observa-se que com uma dose de esforço e muita dependência da graça do Senhor e norteados por sua Palavra podemos melhorar este panorama na expectativa da volta dAquele que é o Rei da Comunidade.
Aos pontos que os críticos ferrenhos da igreja levantam constantemente, pensa-se que as ideias articuladas neste texto podem servir para um salto de qualidade para a igreja como comunidade local e como agente do Reino de Deus vivendo como “embaixada do Reino” aqui e agora para reconciliação com Deus (2Co 5.20). Este modo de trabalhar a igreja pode mudar radicalmente uma cultura cristã que vem sendo influenciada pelo secularismo com liturgias um tanto antropocêntrica e com forte viés materialista.
Quanto ao problema de uma eclesiologia míope, talvez o resultado desta equação seja conturbado pois os fatores estão muito confusos. Infelizmente a importância à doutrina da igreja foi relegada erroneamente às teorias acadêmicas e pouco se produz para instrução sadia para a igreja brasileira.
Talvez, por isso, enxerga-se em muitos arraiais o modelo igreja-empresa, tão cheio de aberrações doutrinárias. Talvez, por isso, a comunhão real do corpo de Cristo está tão decadente. Talvez ainda a pregação com ênfase expositiva tenha sido trocada pelo entretenimento e a missão da igreja ensinadora substituída por programas mais pop e devidamente atrativos. Comunhão, adoração, serviço, discipulado, princípios elementares do povo de Deus tanto no Antigo como no Novo Testamento acabam por ser substituídos por opções e programas periféricos.
Diante do contexto geral da igreja urge o esforço daqueles que desejam ver a Noiva do Senhor como de fato ela deve ser: a comunidade do povo de Deus. Um povo que foi chamado para servi-lo e chamado a viver junto em uma verdadeira comunidade cristã, em comunhão genuína, testemunhando do caráter e das virtudes do reino de Deus, ou seja, colocando todas as coisas e todos os povos sob o Reinar do Senhor Jesus Cristo.
Desta forma a igreja pode ser um agente efetivo do reino de Deus em toda terra. Nem a evangelização, nem a ação social e nem mesmo a vida de adoração da igreja, fazem sentidos, se a igreja não for vista como a expressão terrena visível do reino de Deus. A proclamação do Evangelho tem o propósito de chamar as pessoas do mundo para o corpo de Cristo, a comunidade dos crentes que tem Jesus Cristo como Rei soberano. Porém este corpo de Cristo deve ser entendido biblicamente como a comunidade do povo de Deus, não como uma abstração meramente teológica em termos das expressões institucionais da igreja ou como um ajuntamento de pessoas que não entendem o significado de ser e fazer igreja.
Busquemos, pois entender a igreja como a comunidade do Rei, que sabe onde está e para que serve, pois compreende sua natureza, um corpo que busca promover e trazer para a vida de seus membros vida em comunhão e com qualidade, integrando o corpo sem a distinção de classes de clérigos e leigos, crescendo na cidade e fora dela com novas congregações para que a cultura cristã enraizada na Bíblia seja fortalecida e transformadora, proporcionando comunhão não apenas em rápidos encontros semanais em reuniões da igreja, mas no cotidiano de seus membros com vistas a infiltração na população, para o bem de todos e para glória única e exclusiva do Senhor.
Seja a igreja hoje e sempre a “Comunidade do Rei”.
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