Parte I: Obcecado por números
Eu sinto como se já tivesse ouvido essa conversa mais de mil vezes. Em meus anos vivendo nos Estados Unidos, geralmente os crentes me conhecem e, tendo sabido que eu vim da Índia, perguntam: “Ah! Você já ouvir falar do ______, um indiano que está no ministério?”
“Não, não ouvi. Como você o conhece?”
“Bom, nossa igreja o apóia em seu sustento – ele é um evangelista incrível que plantou igrejas nos últimos 5 anos, abriu 5 orfanatos e dirige um seminário para formação de pastores!”
“Sério? Você o conhece pessoalmente?”
Na maioria dos casos, a resposta é: “Claro, nós o conhecemos pessoalmente. Ele visitou nossa igreja e compartilhou seu testemunho. Ele tem um testemunho e tanto. Sua visão é plantar mais de 30.000 igrejas nos próximos 10 anos.”
Tem sido difícil para mim não parecer cínico e não me sentir frustrado todas as vezes que eu tenho conversas como essas. Isso porque o que meus irmãos e irmãs do Ocidente geralmente não entendem é que muitos desses “ministros” indianos aprenderam o que empolga as pessoas no Ocidente. Os indianos aprenderam que números massivos e testemunhos surpreendentes deslumbram as igrejas do Ocidente. E, quando os parceiros mantenedores no Ocidente ficam impressionados, isso geralmente significa dólares entrando. Infelizmente, as igrejas ocidentais raramente aprendem (se é que alguma vez aprenderam) que, em muitos casos, os números são inflados, os testemunhos são fabricados e a “obra do evangelho” em que elas estão investindo é, na verdade, uma miragem.
A conversa que descrevi acima ilustra algumas questões particulares em missões, às quais tenho assistido com uma crescente preocupação. E, como um indiano que nasceu e cresceu na Índia e chegou ao conhecimento salvífico de Jesus Cristo através do trabalho fiel de um missionário do Ocidente em minha cidade, eu me sinto responsável em externar minhas preocupações.
Por outro lado, espero tratar de alguns dos maiores problemas de missões na Índia – problemas que surgem a partir de certas ênfases do Ocidente. Esses problemas são perpetuados e agravados tanto por missionários do Ocidente que vão para a Índia quanto por igrejas do Ocidente que sustentam ministros indianos nativos. Meu desejo não é ser pessimista e crítico, mas chamar-nos a sermos fiéis e obedientes às ordens bíblicas de “fazer discípulos” e proclamar “todo o conselho de Deus”. Considere isso como um clamor do Oriente para o Ocidente por uma sanidade em missões centrada no evangelho.
I. Obcecado por números
Primeiro, é importante discutir um dos problemas primários em missões na Índia – a empolgação do Ocidente pela eficiência numérica, isto é, a ideia de que grandes números são uma validação da bênção de Deus e do sucesso no ministério.
O mundo corporativo é apaixonado por números, por grandes números. Os números são a ordem do dia em toda esfera da vida, e a empolgação por números impressionantes encontrou seu lugar na igreja e na missão da igreja, tanto no Ocidente quanto – como um resultado da influência ocidental – na Índia. Muito do jargão de missões é, de alguma forma, colorido pela noção de eficiência numérica: “rapidez”, “multiplicação”, “estratégia”, “crescimento”.
Cada “visão” e cada “relatório” tem um tipo de etiqueta numérica acoplada. 5.000 igrejas em 5 anos. 30.000 batismos em 3 anos. Maior e mais rápido = melhor. Certo?
Errado!
Infelizmente, a obsessão da igreja do Ocidente por números tem tido um efeito destrutivo, de modo que o nome de Cristo é blasfemado na Índia.
Uma mania pecaminosa por números maiores e melhores tem infectado tanto os ministros nativos quanto a obra dos missionários ocidentais na Índia. A noção de que o crescimento numérico é um indicador de fidelidade é estranho às Escrituras e, na verdade, surge do “movimento de crescimento de igreja”.[1] Mas, infelizmente, a maioria das igrejas – até mesmo aquelas que sustentam uma teologia do evangelho centrada em Deus mais robusta – comprou essa falsa ideia de que “crescimento rápido” é o sinal primário da bênção de Deus. Quanto mais rápido você cresce, mais fiel você é.
Eu espero desacreditar essa falsa ideia discutindo alguns dos desastrosos efeitos que isso teve em missões na Índia. Porém, mais do que isso, espero alertar meus irmãos e minhas irmãs do Ocidente para uma abordagem de missões mais sã, fiel e centrada no evangelho. Nós certamente podemos celebrar um crescimento numérico se ele for de acordo com a Escritura. Mas quando o crescimento numérico substitui prioridades da Escritura, o evangelho é comprometido e o testemunho cristão é manchado. Ao apontar alguns dos resultados devastantes da ênfase nos números, eu espero encorajar as igrejas do Ocidente a terem discernimento sobre os trabalhos dos missionários que eles sustentam, enquanto encorajo meus irmãos indianos a buscarem um crescimento real do evangelho em seus ministérios, independente de eles parecerem ou não impressionantes para o Ocidente.
A praga do cristianismo nominal
Os relatórios missionários da Índia estão cheios de notícias de impressionantes “movimentos de pessoas” para Cristo que estão aparentemente acontecendo em todo o país. Os missionários com quem conversei descreveram seu trabalho nos seguintes termos: “7.000 igrejas foram plantadas na Caxemira nos últimos 5 anos”. “50.000 novos crentes foram batizados em Nova Deli ano passado”. “Centenas de milhares da casta inferior dos ‘Dalits’ (intocáveis) estão chegando para conhecerem a Cristo”. O que nos é dito é que as coisas estão acontecendo na Índia em uma “escala sem precedentes”, igualada somente pelos capítulos iniciais do livro de Atos. Isso é real? Deixe-me responder com 3 pontos.
i. Onde estão as igrejas?
Um colega indiano cooperador do evangelho (que trabalha em uma das regiões mais difíceis no norte da Índia) me disse que, quando ele ouve amigos do Ocidente falarem sobre essas milhares de igrejas plantadas, sem piscar, ele pergunta irritado pelo endereço e o CEP delas para que ele possa visitar pelo menos uma delas. Seu ponto não é que todas as igrejas têm que ter um endereço físico, mas que esses números estão relatando igrejas fantasmas, que não existem na realidade.
Em resumo, os números são uma ilusão. Essas assim chamadas “igrejas” são tipicamente nada mais que um grupo de três ou quatro pessoas que acabam por se encontrar uma ou duas vezes de forma casual. Elas ouvem umas duas histórias bíblicas aguadas e desaparecem no esquecimento depois disso.
Na maioria dos trabalhos missionários na Índia, as prioridades pragmáticas suplantaram as prioridades bíblicas. Um amigo missionário do Ocidente recentemente me disse que, acerca do seu desenvolvimento na Índia, os superiores na sua organização insistiram que ele fosse “estratégico” para “estimular um rápido crescimento” na plantação de “igrejas-coelho”, que são rapidamente estabelecidas e se multiplicam rapidamente, ao invés de plantar “igrejas-elefante”, que tomam um longo tempo para se estabelecerem e, então, requerem muito trabalho no discipulado, o que torna as coisas mais lentas. A resposta direta do meu amigo foi: “Mas igrejas-coelho são devoradas por falcões e lobos”.
A mania por números e o impulso por crescimento rápido resultam em “igrejas” que não têm o evangelho, nem liderança, nem teologia, nem profundidade, tornando-as presa fácil para as heresias da teologia da prosperidade, sincretismo e outros ensinos falsos.
ii. Que tipo de “conversão”?
Pior que isso, a praga do Cristianismo nominal traz reprovação para o nome de Cristo da parte dos descrentes da Índia. O impulso por números e por rápido crescimento em missões tem resultado em muita distorção e diluição da mensagem do evangelho hoje. As pessoas são ensinadas a “acreditarem em Jesus”, “receberem Jesus” ou “fazerem uma decisão por Jesus”, sem nenhum ensinamento bíblico sobre arrependimento. As assim chamadas “conversões” que resultam disso são, na melhor das hipóteses, nominais e, na pior delas, manipuladas.
Desconsiderando as ordens e as qualificações bíblicas para presbíteros da igreja (1 Timóteo 3.1-7, especialmente o versículo 6: “não seja neófito”), os missionários indicam “líderes” nativos desqualificados cujo único “treinamento” é uma conferência de uma semana com uma equipe missionária.
Em muitos casos, as pessoas são “convertidas” aos montes, acreditando que se converter ao Cristianismo lhes trará certos benefícios sociais ou econômicos. Os missionários triunfantemente enviam relatórios missionários de volta para casa com testemunhos que apresentam suas estupendas e insondáveis estatísiticas de pessoas convertidas e igrejas estabelecidas. Ken R. Gnanakan, um teólogo indiano, respondendo ao movimento de crescimento de igreja há muitos anos, colocou muito bem: “Em nosso zelo por relatar números para nossos parceiros de oração, nós deixamos as congregações continuarem a seguir seu pensamento hindu. E, exceto por uma mudança no nome e no local de adoração, há pouca diferença entre os assim chamados cristãos e seus vizinhos hindus.” [2]
iii. Falsas conversões levam à perseguição
A praga das falsas conversões também tem ramificações políticas que levam à perseguição. Os hindus acusam os cristãos de seduzirem pessoas com pouca instrução e das castas mais baixas, prometendo-lhes benefícios. As conversões em grupo e o Cristianismo nominal finalmente resultam em reversões para o Hinduísmo, quando populações desprivilegiadas, que originalmente se converteram ao Cristianismo esperando que isso melhoraria sua condição social, descobrem que o Hinduísmo pode ter mais a lhes oferecer politicamente. [3]
A maior parte dessas “reconversões” são acompanhadas com testemunhos que dizem: “eu era um hindu, e eu me converti ao Cristianismo com base nas suas muitas falsas promessas. Então, agora eu estou voltando ao Hinduísmo”. Isso não acaba levantando a questão de que tipo de “conversão” está acontecendo? Certamente, não seria o tipo de conversão operada divinamente das trevas para a luz como nós vemos nas páginas do Novo Testamento.
Missões nativas e a inflação dos números
Outro crescimento que vem da obsessão do Ocidente por crescimento numérico é o grande número de indianos no “ministério” que pegaram essa tendência e estão seguindo a onda, que está indo direto para o banco. Sim, a igreja na Índia está corrompida, como Yahweh disse de Israel – como se tivesse por todo o corpo “chagas inflamadas” (Isaías 1.6). Eu falo como alguém que conhece em primeira mão o tipo de corrupção que tem se infiltrado através dos ministérios na Índia.
Muitos ministros indianos inflam alegremente seus números e enganam os mantenedores do Ocidente, fazendo-os acreditarem que uma grande “colheita” do evangelho está acontecendo. Afinal, são os números que trazem o dinheiro.
As técnicas são semelhantes: Uma grande multidão de pessoas é reunida em um campo e alguém no púlpito pergunta quantos ali comeram “puri-bhaji” (uma forma de falar “café da manhã” no Norte da Índia). As mãos se levantam, a foto é tirada e um relatório com a foto é publicado, relatando “decisões por Cristo”. Em outros casos, perguntam às pessoas se elas querem receber uma bênção financeira ou uma cura. Aqueles que desejam, levantam as mãos, as fotos são tiradas e mais “decisões por Cristo” são relatadas.
Em algumas ocasiões, os mantenedores do Ocidente fazem uma visita, algumas até para “treinamento e ensino pastoral”. Então, o ministro indiano paga uma quantia em dinheiro para que aquelas pessoas apareçam por alguns dias. E elas aparecem. E os missionários do Ocidente voltam, felizes e satisfeitos por não estarem apenas apoiando financeiramente, mas por terem “investido” na vida de pessoas que estão “famintas pela Palavra” (e por comida grátis).
Muitos desses ministros indianos vivem com grande luxo, tomando vinho e jantando em hotéis 5 estrelas, e dirigindo carros luxuosos, como um resultado dos dólares que entraram para seus ministérios.
É com grande tristeza que admito que meus irmãos e irmãs do Ocidente são muito ingênuos – sentem-se felizes em financiar e apoiar qualquer ministério que ostente grandes números. As estatísticas acabam ofuscando seus olhos, e eles ficam cegos para o que realmente acontece.
Um caminho melhor
Isso é uma repreensão? Sim, de alguma forma é. Mas eu escrevo com um coração sincero e com uma paixão por ver solidez e verdade começarem a lançar raízes na obra missionária na Índia. Grandes números simplesmente alimentam grandes egos com a noção de que estamos fazendo algo para Deus que realmente vale a pena. Mas a verdadeira obra de Deus não pode ser medida somente por números.
No último verão, eu sentei com um irmão indiano fiel, um homem de Deus com mais idade que trabalhou por várias décadas em um dos estados mais difíceis e inalcançados no Norte da Índia. Ele me falou de igrejas do Ocidente que, através dos anos, têm lhe oferecido sustento somente se ele diligentemente enviasse relatórios com um certo número de batismos a cada mês. Em cada um dos casos, ele recusou, pois sempre acreditou que a conversão é uma obra de Deus e não pode ser manufaturada. Esse homem não plantou milhares de igrejas. Os números não são sensuais e espetaculares. Mas as igrejas que ele plantou são saudáveis e fiéis, além de pregarem o evangelho e fazerem discípulos. Elas não são fantasmas. Os discípulos que ele fez são aqueles que conhecem o Senhor. E neles a Palavra de Cristo habita ricamente. O fruto do seu ministério brilha como ouro na pilha de esterco de outros assim chamados “ministérios” que estão por aí. E Deus recompensará sua fidelidade.
Deixe-me compartilhar com vocês a história de outra pessoa. Dessa vez, de um missionário estrangeiro. Eu conheci um missionário que viveu e trabalhou na Índia por anos – na verdade, mais de uma década. Ele estabeleceu um trabalho em uma grande cidade e se esforçou ali devagar e pacientemente. Ele quase não tinha convertidos – na verdade, ele provavelmente teve somente um. Ele morreu na Índia e dentro de meses da sua morte, seu trabalho foi destruído. Pelos padrões numéricos e pelas considerações “estratégicas” para o “crescimento rápido”, ele era uma completa derrota. Pelos padrões de muitas agências missionárias do Ocidente, os muitos dólares dados para sustentá-lo através dos anos tinham sido um total desperdício.
Então, o ministério dele foi um desperdício? Eu creio que não: Eu fui seu único convertido. Ele me ensinou o evangelho. Ele proclamou para mim as excelências de Cristo. Ele me ensinou como ler a Bíblia e como discernir a verdade da falsidade. Ele gastou sua vida no serviço do Rei, e a minha eternidade foi mudada como um resultado disso.
Portanto, eu clamo aos meus irmãos e irmãs do Ocidente: No seu envio de missionários e em seu apoio aos obreiros do evangelho que são nativos, por favor, priorizem a fidelidade acima da eficiência, a qualidade acima da quantidade, e o crescimento na verdade acima do crescimento nos números. Eu sou contrário ao crescimento da igreja e à multiplicação de discípulos? De forma alguma! Eu espero ver um grande avivamento que atravesse toda a Índia. Na verdade, eu oro para que massas de pessoas sejam evangelizadas e que incontáveis igrejas sejam estabelecidas através de toda a nação.
Mas não vamos lutar por números manufaturados e “crescimento” que vem por sacrificar a verdade no altar da eficiência e do sucesso percebido. No Novo Testamento, a preocupação pelo crescimento numérico nunca conduz a missão da igreja – uma preocupação pela glória de Cristo é que conduz (Romanos 1.5). A conversão é a obra do Espírito Santo que chama pessoas espiritualmente mortas da escuridão para a maravilhosa luz do Senhor Jesus, quando o evangelho é proclamado com ousadia e clareza. Portanto, não use números como um parâmetro para medir a obra de Deus, mas, ao contrário disso, deixe que a obra de Deus seja medida pelas vidas das pessoas que produzem “frutos dignos de arrependimento” (Mateus 3.8; Romanos 15.18). Crescimento rápido e multiplicação podem bem ser indicadores da bênção de Deus, mas eles certamente nunca são os indicadores primários. Que o nosso trabalho seja guiado pela Escritura, e não por estatísticas e estratégias!
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