Semeando o Evangelho

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sábado, 16 de dezembro de 2017

UMA INTRODUÇÃO Á PREGAÇÃO E À TEOLOGIA BÍBLICA (PARTE 2)

Por: Thomas R. Schreiner

Descoberta – O que é Teologia Bíblica

A solução para os problemas com a pregação rasa descritos na Parte 1 é, na verdade, bastante simples: os pastores precisam aprender a usar a teologia bíblica em suas pregações. Contudo, tal aprendizado exige que comecemos com a pergunta: o que é teologia bíblica?

Teologia Bíblica versus Teologia Sistemática

A teologia bíblica, em contraste com a teologia sistemática, foca no enredo bíblico. A teologia sistemática, embora seja informada pela teologia bíblica, é atemporal. Don Carson argumenta que a teologia bíblica

se coloca mais próxima ao texto do que a teologia sistemática, almeja ser genuinamente sensível no tocante às distinções entre cada corpus e busca conectar os diversos corpora usando as suas próprias categorias. Idealmente, portanto, a teologia bíblica permanece como uma espécie de ponte entre a exegese responsável e a teologia sistemática responsável (ainda que cada uma dessas inevitavelmente influencia as outras duas).1

Em outras palavras, a teologia bíblica se limita mais intencionalmente à mensagem do texto ou corpus em consideração. Ela questiona quais temas são mais centrais para os escritores bíblicos em seu contexto histórico e procura discernir a coerência entre esses temas. A teologia bíblica foca no enredo da Escritura – o desdobramento do plano de Deus na história redentiva. Como nós consideraremos mais cuidadosamente na Parte 3, isso significa que nós deveríamos interpretar e então pregar cada texto no contexto de sua relação com todo o enredo da Bíblia.

A teologia sistemática, por outro lado, formula questões ao texto que refletem as questões ou preocupações filosóficas do momento. Os sistemáticos também podem – com um bom propósito – explorar temas que estão implícitos nos escritos bíblicos, mas que não recebem atenção primária no texto bíblico. Além disso, deveria ser evidente que qualquer teologia sistemática digna desse nome é edificada sobre a teologia bíblica.


A ênfase distinta da teologia bíblica, tal como Brian Rosner observa, é que ela “permite que o texto bíblico dite a pauta”.2 Kevin Vanhoozer articula o papel específico da teologia bíblica ao dizer: “‘teologia bíblica’ é o nome dado a uma abordagem interpretativa da Bíblia a qual assume que a Palavra de Deus é textualmente mediada pelas diversas palavras, literária e historicamente condicionadas, dos seres humanos”.3 Ou, “para exprimir a asserção de modo mais positivo, a teologia bíblica está em harmonia com os interesses dos próprios textos”.4

Carson expressa bem a contribuição da teologia bíblica:

Mas, idealmente, a teologia bíblica, como seu nome implica, mesmo ao trabalhar indutivamente a partir dos diversos textos da Bíblia, busca desvendar e articular a unidade de todos os textos bíblicos tomados juntos, recorrendo primariamente às categorias daqueles próprios textos. Nesse sentido, ela é teologia bíblica canônica, teologia bíblica “de toda a Bíblia”.5

A teologia bíblica pode limitar-se à teologia de Gênesis, do Pentateuco, de Mateus, de Romanos ou até mesmo à teologia paulina. Contudo, a teologia bíblica pode também compreender todo o cânon da Escritura, no qual o enredo das Escrituras como um todo é integrado. Com muita frequência, pregadores expositivos limitam-se aos livros de Levítico, Mateus ou Apocalipse, sem considerar o lugar que eles ocupam no enredo da história redentiva. Eles isolam uma parte da Escritura da outra, e assim pregam de um modo truncado, ao invés de anunciarem todo o conselho de Deus. Gerhard Hasel corretamente destaca que nós precisamos fazer teologia bíblica de um modo “que busca fazer justiça a todas as dimensões da realidade de que os textos bíblicos testificam”.6 Fazer tal teologia não é meramente uma tarefa para professores de seminário; é a responsabilidade de cada pregador da Palavra!

Pensemos novamente sobre as diferenças entre teologia bíblica e sistemática, para o que Carson traça o caminho.7 A teologia sistemática considera a contribuição da teologia histórica e, assim, se utiliza da obra de Agostinho, Tomás de Aquino, Lutero, Calvino, Edwards e tantos outros ao formular o ensino da Escritura. A teologia sistemática procura anunciar a Palavra de Deus diretamente para o nosso tempo e nosso ambiente cultural. Obviamente, então, qualquer bom pregador deve ser versado na sistemática para anunciar uma palavra profunda e poderosa aos seus contemporâneos.

A teologia bíblica é mais indutiva e fundacional. Carson corretamente afirma que a teologia bíblica é uma “disciplina mediadora”, ao passo que a teologia sistemática é uma “disciplina culminante”. Nós podemos afirmar, então, que a teologia bíblica é intermediária, funcionando como uma ponte entre o estudo histórico e literário da Escritura e a teologia dogmática.

A teologia bíblica, então, trabalha a partir do texto em seu contexto histórico. Isso não significa afirmar que a teologia bíblica é um empreendimento puramente neutro ou objetivo. A noção de que nós podemos separar nitidamente o que o texto significou do que ele significa [what it meant from what it means], como pretendia Krister Stendahl, é uma quimera. Scobie diz o seguinte acerca da teologia bíblica:

As suas pressuposições, baseadas em um compromisso com a fé cristã, incluem a crença de que a Bíblia transmite uma revelação divina, que a Palavra de Deus na Escritura constitui a norma da fé cristã e da vida cristã, e que todo o variado material tanto do Antigo como do Novo Testamentos pode de algum modo ser relacionado ao plano e propósito do único Deus de toda a Bíblia. Tal teologia bíblica situa-se em algum lugar entre o que a Bíblia “significou” e o que ela “significa”.8

Segue-se, então, que a teologia bíblica não está confinada apenas ao Novo Testamento ou ao Antigo Testamento, mas que ela considera ambos os Testamentos juntos como a Palavra de Deus. De fato, a teologia bíblica trabalha a partir da noção de que o cânon da Escritura funciona como a sua norma e, assim, ambos os Testamentos são necessários para desvendar a teologia da Escritura.

Equilibrando o Antigo e o Novo Testamento

Há uma maravilhosa dialética entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento no trabalho da teologia bíblica. O Novo Testamento representa a culminação da história da redenção iniciada no Antigo Testamento e, assim, a teologia bíblica é por definição uma teologia narrativa. Ela captura a história da obra salvadora de Deus ao longo da história. O desenrolar histórico do que Deus tem feito pode ser descrito como a “história da salvação” ou a “história redentiva”.

Também é proveitoso considerar as Escrituras a partir da perspectiva de promessa e cumprimento: o que é prometido no Antigo Testamento é cumprido no Novo Testamento. Nós precisamos tomar cuidado para não apagarmos a particularidade histórica da revelação do Antigo Testamento, de modo a expungir o contexto histórico do qual ele nasceu. Por outro lado, nós devemos reconhecer o progresso da revelação do Antigo Testamento para o Novo Testamento. Tal progresso da revelação reconhece a natureza preliminar do Antigo Testamento e a palavra definitiva que vem no Novo Testamento. Dizer que o Antigo Testamento é preliminar não elimina o seu papel crucial, pois nós só podemos entender o Novo Testamento quando também compreendemos o significado do Antigo Testamento, e vice-versa.

Alguns são hesitantes em abraçar a tipologia, mas tal abordagem é fundamental para a teologia bíblica, uma vez que é uma categoria empregada pelos próprios escritores bíblicos. O que é tipologia? Tipologias são as correspondências divinamente pretendidas entre eventos, pessoas e instituições do Antigo Testamento e o seu cumprimento em Cristo, no Novo,9 como quando  Mateus se refere em seu Evangelho ao retorno de Maria, José e Jesus do Egito usando a linguagem da saída de Israel do Egito (Mt 2.15; Êx 4.22; Os 11.1). Obviamente, não apenas os autores do Novo Testamento observam essas “correspondências divinamente pretendidas”. Os autores do Antigo Testamento também o fazem. Por exemplo, tanto Isaías como Oséias predizem um novo êxodo que será moldado de acordo com o primeiro êxodo. Do mesmo modo, o Antigo Testamento fala da expectativa de um novo Davi que será ainda maior do que o primeiro Davi. Nós vemos no próprio Antigo Testamento, portanto, uma gradação na tipologia, de modo que o cumprimento do tipo é sempre maior do que o próprio tipo. Jesus não é apenas um novo Davi, mas o maior Davi.

A tipologia reconhece um padrão e um propósito divinos na história. Deus é o autor final da Escritura – a história é um drama divino. E Deus conhece o fim desde o começo, de modo que nós, como leitores, podemos ver prenúncios do cumprimento final no Antigo Testamento.

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