Por Sam Storms
O texto bíblico mais explicito sobre o julgamento que aguarda todo cristão é encontrado em 2 Coríntios 5.9-10. Aqui, Paulo escreve isto: “Então, se nós estamos presentes ou ausentes, desejamos ser-lhe agradáveis. Pois todos devemos comparecer ante o julgamento do tribunal de Cristo, para que cada um receba o que tiver feito no corpo, seja bom o mal”.
1) Quem será julgado? Conquanto seja possível que toda a humanidade esteja incluída aqui, o contexto mais amplo de 2Co 4-5 sugere que apenas os crentes estão em foco. Murray Harris também aponta que, sempre que Paulo fala de recompensa, de acordo com obras, de todas as pessoas (como em Romanos 2.6), “é encontrado uma descrição de duas categorias de pessoas (Romanos 2.7-10), não uma delimitação de dois tipos de ações [como “seja bom ou mal”], como sendo predicado de todas as pessoas”.
2) Qual a natureza ou propósito do julgamento? Em um dos mais encorajadores e libertadores textos do Novo Testamento, Paulo escreveu: “Assim sendo, não há condenação para quem está em Cristo” (Romanos 8.1). Em outras palavras, diante de qualquer outra coisa que Paulo tenha em mente em 2Co 5, se você está “em Cristo”, pela fé, nunca precisa ter medo da condenação.
Desta forma, o propósito do julgamento particular não é penal ou retributivo, mas foi determinado para avaliar as obras dos cristãos, para que a recompensa e o louvor apropriados sejam atribuídas a eles. Nós não lemos aqui uma declaração de condenação, mas uma avaliação de valor. O destino eterno não está em questão, a recompensa eterna, sim (ver João 3.18; 5.24; Romanos 5.8-9; e 1 Tessalonicenses 1.10). Esse Julgamento é uma avaliação de fidelidade e serviço para com a família de Deus. O julgamento não é para determinar a entrada no reino, mas sim, para asseverar o estado daqueles já admitidos. O julgamento não foi planejado para designar a entrada no reino de Deus, mas para efetivar a recompensa, o “status” ou autoridade dentro dele.
3) Quando esse julgamento ocorrerá? No momento da morte física? Durante o estado intermediário? Na segunda vinda de Cristo? Paulo não parece estar preocupado em especificar quando. O que podemos saber com certeza, é que o julgamento ocorrerá depois da morte (ver Hebreus 9.27). Dito isto, estou inclinado a pensar que isso ocorrerá na segunda vinda de Cristo (cf. Mateus 16.17; Apocalipse 22.12), no final da história da humanidade, muito provavelmente em conjunto com os incrédulos, [momento esse] conhecido pelos estudantes da Bíblia como “o julgamento do grande trono branco” (ver Apocalipse 20.11).
4) Nós devemos também tomar nota da inevitabilidade do julgamento para todos (“todos devemos comparecer”). Esse é um dia que não deve ser considerado irrelevante ou desnecessário. É essencial para Deus trazer a consumação de seu propósito redentivo e glorificar seu nome entre o seu povo. Ninguém está isento. O próprio Paulo falou sobre esse julgamento anteriormente, pois serviu (pelo menos em parte) como motivação para esforçar-se em agradar ao SENHOR (v. 9).
5) Paulo enfatiza a individualidade (“cada um”). Tão importante quanto salientar a natureza corporativa e comunitária da nossa vida como corpo de Cristo, é mostrar que, cada pessoa será julgada individualmente (sem dúvida, pelo menos em parte, quão fiel cada pessoa foi no tocante às suas responsabilidades corporativas). Paulo usa termos similares em Romanos 14.12: “De maneira que cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus”.
6) Devemos observar o modo ou a maneira desse julgamento (“devemos comparecer ante”). Nós não devemos nos “mostrar” no tribunal de Cristo, mas seremos expostos diante dele. Como Paulo fala em 1 Co 4.5, o SENHOR “trará à luz as coisas ocultas das trevas, e manifestará os desígnios dos corações”. Murray Harris está certo de que “não é meramente uma aparição ou autorrevelação; é mais que isso, é um divino exame e proclamação, esse é o prelúdio necessário para o recebimento da recompensa apropriada”.
Não é inconcebível pensar que todo pensamento aleatório, todo impulso justo, toda a oração secreta, ação escondida, pecado esquecido ou ato de compaixão serão descobertos e levados ao conhecimento do SENHOR para que ele julgue?! Mas, não esqueça: “Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” Romanos 8:1.
7) Este julgamento tem uma identificação (Este é o “julgamento do tribunal de Cristo”). A maioria dos cristãos está familiarizado com o termo usado aqui – bema. O uso dessa palavra, no versículo 10, “teria sido particularmente evocado por Paulo aos Coríntios, já que antes do tribunal de Galio, na mesma cidade, o apóstolo havia estado lá quatro anos antes (52 a.D.), quando o procônsul descartou a acusação de que ele teria violado as leis romanas. Arqueólogos identificaram esse “Bema” coríntio, no lado sul da Ágora” (Harris, 406).
8) O próprio juiz é claramente identificado (Este é o “julgamento do tribunal de Cristo”). Isso é consistente com o que nós lemos em João 5.22, quando Jesus fala que “O Pai não julga a ninguém, mas deu todo o julgamento ao Filho”.
9) O padrão do julgamento é altamente importante (“o que tiver feito no corpo, quer seja bom ou mal”). A referência para o “corpo” indica que o julgamento é concernente ao que fazemos nesta vida, não o que pode ou não pode ser feito durante o tempo do próprio estado intermediário.
De acordo com a ESV, nós recebemos “o que é devido”. Em outras palavras, e um pouco mais literalmente, nós seremos julgados “de acordo com” ou talvez até “na proporção das” ações realizadas. As ações são caracterizadas “boas” (aqueles que agradam a Cristo, como no v. 9), ou “más” (aqueles que não agradam).
10) Finalmente, o resultado do julgamento não está explicitamente declarado, mas está implícito. “Receberemos” tudo conforme merecermos. Aqui existe uma recompensa envolvida. Paulo é um pouco mais específico em 1Co 3.14-15. Aqui, ele escreve: Se o trabalho que alguém construiu sobre um fundamento permanecer, ele receberá recompensa. Se o trabalho de alguém for queimado, ele sofrerá perdas, embora ele mesmo será salvo, mas apenas por meio do fogo. A recompensa não é definida, e a probabilidade é que a perda sofrida, seja a recompensa que ele ou ela deverão receber se obedecessem.
Pode-se dizer algo mais específico sobre a natureza dessa recompensa? Jesus menciona uma “grande” “recompensa” no céu, mas não a define (Mateus 5.11-12). Na parábola dos talentos (Mateus 25; cf Lucas 19.12-27), ele aponta para a “autoridade” ou domínio (mas, sobre quem ou o quê?). Paulo fala que “seja qual for o bem que alguém faça, ele receberá do SENHOR” (Efésios 6.8).
Conforme 1Co 4.5, seguindo o julgamento, “cada um receberá louvor de Deus. Igualmente, Romanos 8.17-18 e 2 Coríntios 4.17 refere-se à “glória” que é reservada para os santos no céu. E, é claro, devemos considerar as muitas promessas nas sete cartas às igrejas em Apocalipse 2-3, embora haja dificuldade em saber se elas serão concedidas agora, durante o estado intermediário, ou apenas subsequente à segunda vinda, e se elas serão concedidas em diferentes graus, dependendo do serviço e obediência; ou ainda, se serão igualmente distribuídos entre os filhos de Deus (ver Apocalipse 2.7, 10, 17, 23; 3.5, 12, 21; cf. Mateus 18.4; 19.29; Lucas 14.11; Tiago 1.12).
Talvez a diferença natural e o grau da recompensa seja manifesto nas profundezas do conhecimento e alegria de Deus que cada pessoa experimentará. Geralmente as pessoas tendem a resistir a essa percepção, mas não deveriam. O que ocorre aqui, é o que expliquei em meu livro, Uma coisa (One Thing):
Praticamente, qualquer coisa lhe trará mais alegria (no céu) do que ver outros santos com uma recompensa maior do que a sua, experimentando uma glória maior do que a sua, recebendo uma autoridade maior do que a sua. Não haverá ciúmes ou orgulho para alimentar sua competitividade pouco saudável. Não haverá ganância para potencializar sua corrida para obter mais do que todos os outros. Você se deleitará apenas em se deleitar-se com os outros. Sua conquista será sua maior alegria. Seu sucesso será sua maior felicidade. Você irá verdadeiramente se alegrar com quem se alegra. A inveja vem da falta, mas no céu não há falta. Tudo o que você precisa, você terá. Quaisquer que sejam os desejos que possam surgir, eles serão satisfeitos.
O fato de que alguns serão mais “santos” e mais felizes do que outros, não diminuirá a alegria dos últimos. No céu, haverá perfeita humildade e perfeita resignação com a vontade de Deus, portanto, sem ressentimentos ou amargura. Além disso, aqueles mais elevados em santidade, precisamente por serem santos, serão mais humildes. A essência da santidade é a humildade! O mesmo vício que poderia inclina-los a olhar condescendentemente sobre aqueles que estão numa situação inferior a deles mesmos, não estará presente lá. É precisamente por eles serem mais santos que serão mais humildes e, assim, incapazes de arrogância ou elitismo.
Eles não se apoiarão ou se gabarão usando seus graus superiores de glória para humilhar ou prejudicar aqueles mais inferiores. Aqueles que conhecerem mais a Deus, por seu conhecimento, pensarão mais humildemente sobre si mesmos. Eles serão mais conscientes da graça que explica sua santidade, do que aqueles que conhecem menos a Deus; logo, estarão mais prontos para servir, para doar-se e para defender.
Algumas pessoas no céu estarão mais felizes do que outras, mas isso não é razão para tristeza ou raiva; na verdade, servirá apenas para torná-las mais felizes, ao ver que outros estão mais felizes do que elas mesmas. Sua felicidade aumentará quando você ver a felicidade dos outros excedendo a sua. Por quê? Porque o amor predomina no céu, e o amor se alegra com a felicidade dos outros. Amar alguém é desejar a sua maior alegria. À medida em que a alegria deles aumenta, a sua também aumenta por eles. Se a alegria deles não aumentasse, tampouco a sua aumentaria. Nós lutamos com isso por que, agora na terra, nossos pensamentos, desejos, motivações, estão corrompidos por autorrealização pecaminosa, competitividade, inveja, ciúmes e ressentimentos (180-81).
Faço dois comentários de encerramento. Primeiro, nossos atos não determinam nossa salvação, mas a demonstra. Eles não são a raiz de nossa posição para com Deus, mas são o fruto, uma posição já alcançada somente pela fé em Cristo. A evidência visível de uma fé invisível são as ações “boas” que serão reveladas no julgamento do tribunal de Cristo.
Segundo, não tenha medo que, com a exposição e avaliação das suas ações, o arrependimento e remorso possam estragar sua felicidade no céu. Se houver lágrimas de tristeza por oportunidades desperdiçadas, ou lágrimas por pecados cometidos, Ele vai enxuga-las (Apocalipse 20.4a). A inefável alegria do perdão gracioso suplantará toda tristeza, e a beleza de Cristo cegará qualquer coisa além do que ele é e do que ele tem, pela graça, realizada em seu nome.
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