Alguém pode perguntar: “E o sofrimento que eu não escolhi? Câncer, por exemplo. Ou a morte de um filho num acidente de carro. Ou uma grande depressão. Esse capítulo tem a ver com algumas dessas coisas?” Minha resposta é que a maior parte deste capítulo é sobre o sofrimento que os cristãos aceitam como parte da escolha de serem abertamente cristãos em situações de risco. E todas as situações são de risco, de uma maneira ou de outra.
A diferença mais significativa entre doença e perseguição é que esta é uma hostilidade intencional de alguém porque nós somos conhecidos como cristãos, e a doença não. Por isso, em algumas situações, escolher ser publicamente cristão significa escolher um estilo de vida que aceita o sofrimento, se Deus quiser (1Pe 4.19). Mas o sofrimento pode ser resultado de viver como cristão mesmo quando não há hostilidade intencional da parte dos descrentes. Por exemplo, um cristão pode ir ajudar em um bairro atingido por uma epidemia e contrair a doença. Isso é sofrer como cristão, mas não é “perseguição”. É uma escolha de sofrimento, se Deus quiser, mas não pela hostilidade dos outros.
Mas então, se você para para pensar, toda a vida, quando vivida seriamente pela fé, buscando a glória de Deus e a salvação dos outros, é como a do cristão que vai para o bairro atingido pela epidemia. O sofrimento que vem faz parte do preço de viver onde você está, em obediência ao chamado de Deus.
Ao escolher seguir a Cristo da maneira que ele dirige, optamos por tudo o que esse caminho inclui, sob sua providência soberana. Assim, todo sofrimento que encontramos no caminho da obediência é sofrimento com Cristo e por Cristo — seja câncer, seja conflito. E ele é “escolhido” — ou seja, nós assumimos espontaneamente o caminho da obediência em que o sofrimento nos acomete e não murmuramos contra Deus. Podemos orar — como fez Paulo — para que o sofrimento seja retirado (2Co 12.8); mas, se Deus quiser, no fim das contas, nós o aceitamos, como parte do preço de ser discípulo no caminho da obediência a caminho do céu.
Todo sofrimento, no chamado cristão, é com Cristo e por Cristo Todas as experiências de sofrimento no caminho da obediência cristã, venham elas de perseguição, doença ou acidente, têm isto em comum: elas ameaçam nossa fé na bondade de Deus e nos tentam a abandonar o caminho da obediência. Por isso, todo triunfo da fé e toda perseverança na obediência são testemunhas da bondade de Deus e da preciosidade de Cristo — quer o inimigo seja enfermidade, Satanás, pecado ou sabotagem.
Por essa razão, todo sofrimento, de qualquer tipo, que suportamos no caminho do nosso chamado cristão, é sofrimento “com Cristo” e “por Cristo”. Com ele no sentido de que o sofrimento vem ao nosso encontro enquanto andamos com ele pela fé, e no sentido de que é suportado na força que ele supre, com seu ministério de empatia de sumo sacerdote (Hb 4.15). Por ele no sentido de que o sofrimento testa e prova nossa lealdade à sua bondade e poder, e no sentido de que revela seu valor como compensação e prêmio todo-suficiente.
O propósito de Deus e de Satanás no mesmo sofrimento Além disso, o sofrimento por doença e o sofrimento por perseguição têm isto em comum: ambos são empregados por Satanás para destruir a fé, e dirigidos por Deus para purificá-la.
Veja primeiro a questão da perseguição. Em 1 Tessalonicenses 3.4,5, Paulo fala da sua preocupação com a fé dos tessalonicenses em face da perseguição:
Quando ainda estávamos convosco, predissemos que íamos ser afligidos, o que, de fato, aconteceu e é do vosso conhecimento. Foi por isso que, já não me sendo possível continuar esperando, mandei indagar o estado da vossa fé, temendo que o Tentador vos provasse, e se tornasse inútil o nosso labor.
O que está claro aqui é que o objetivo do “Tentador” nesta aflição é destruir a fé.
Satanás, porém, não é o único envolvido na questão. Deus domina Satanás e não lhe dá mais liberdade do que o suficiente para realizar seus próprios propósitos. Estes são opostos aos de Satanás, apesar de a experiência de sofrimento ser a mesma. Por exemplo, o escritor de Hebreus 12 mostra aos seus leitores como fazer para não desanimar em meio à perseguição, por causa do propósito amoroso que Deus tem com ele:
Considerai atentamente aquele [Cristo] que suportou tamanha oposição dos pecadores contra Si mesmo, para que não vos fatigueis, desmaiando em vossas almas. Ora, na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido até ao sangue e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco: Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe (Pv 3.11,12). É para disciplina que perseverais. […] Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça (Hb 12.3-7,11).
Aqui temos sofrimento que vem da “hostilidade dos pecadores”. Isso quer dizer que Satanás tem a sua participação , assim como no sofrimento de Jesus (Lc 22.3). Mesmo assim, esse sofrimento está sob a soberania de Deus, de tal maneira que tem o propósito amoroso e paternal da disciplina purificadora. Assim, Satanás tem um objetivo com nosso sofrimento na perseguição e Deus tem outro diferente, na mesma experiência.
A perseguição, contudo, não é única nisso. O mesmo vale para a enfermidade. Tanto o objetivo de Satanás como o de Deus são evidentes em 2Coríntios 12.7-10:
Foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte. Por causa disto, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte.
Aqui o sofrimento físico de Paulo — o espinho na carne— é chamado “mensageiro de Satanás”. Mas o propósito desse sofrimento é “a fim de que não me exalte”, o que jamais seria a intenção de Satanás. Portanto, a conclusão é que Cristo atinge soberanamente seu propósito de amor e purificação, derrotando os esforços destrutivos de Satanás, que está sempre tentando destruir nossa fé; mas Cristo engrandece seu poder na fraqueza.
Outra razão para não fazer uma distinção acentuada entre perseguição e doença é que a dor da perseguição e a dor da doença nem sempre podem ser separadas claramente. Décadas após sua tortura por Cristo em uma prisão romena, Richard Wurmbrand ainda sofria com as sequelas físicas. Estava ele sendo “perseguido” ao suportar a dor em seus pés, 30 anos depois? Ou pense no apóstolo Paulo. Entre os sofrimentos que ele relaciona como “servo de Cristo” constam três naufrágios, num dos quais ele passou uma noite e um dia na água. Ele também diz que seu sofrimento por Cristo incluía “trabalhos e fadigas, vigílias muitas vezes, fome e sede, jejuns muitas vezes, frio e nudez…” (2Co 11.25,27).
Digamos que ele pegou pneumonia por causa da sua fadiga e exposição. Essa pneumonia seria “perseguição”? Paulo não fez distinção entre ser fustigado com varas, sofrer um acidente de barco ou sentir frio ao viajar de uma cidade para outra. Para ele, qualquer sofrimento que o acometesse enquanto servia a Cristo fazia parte do “preço” de ser discípulo. Quando o filho de um missionário fica com diarréia, consideramos isso parte do preço da fidelidade. Mas qualquer pai que anda no caminho da obediência ao chamado de Deus paga o mesmo preço. O que transforma o sofrimento em sofrimento “com” e “por” Cristo não é a intenção dos nossos inimigos, mas nossa fidelidade. Se somos de Cristo, então tudo o que nos acontece é para a sua glória e para o nosso bem, tenha sido por vírus ou pelos inimigos.
A essência do prazer cristão
Na busca da alegria pelo sofrimento, engrandecemos o valor totalmente satisfatório da Fonte da nossa alegria. O próprio Deus tem o maior brilho no fim do nosso túnel de dor. Se não transmitirmos que ele é o objetivo e a razão da nossa alegria no sofrimento, então o sentido do nosso sofrimento terá se perdido. O sentido é este: Deus é lucro. Deus é lucro. Deus é lucro.
O propósito primordial do ser humano é glorificar a Deus. E é mais verdadeiro no sofrimento do que em qualquer outra instância que Deus é mais glorificado em nós quando estamos mais satisfeitos nele. Minha oração, por isso, é que o Espírito Santo derrame sobre seu povo em todo o mundo uma paixão pela supremacia de Deus em todas as coisas. E oro para que ele deixe claro que a busca da alegria em Deus, não importa qual seja a dor, seja um testemunho poderoso do valor supremo e totalmente satisfatório de Deus. E que assim aconteça, à medida que “preenchemos o que resta das aflições de Cristo”, que todos os povos do mundo vejam o amor de Cristo e louvem sua graça na felicidade da fé.
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