Semeando o Evangelho

Semeando o Evangelho
Semear a Verdade e o Amor de Deus

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

A PAZ ENTRE INIMIGOS

Por Jorge Fernandes Isah

“E por aquele mesmo tempo o rei Herodes estendeu as mãos sobre alguns da igreja, para os maltratar. E matou à espada Tiago, irmão de João. E, vendo que isso agradara aos judeus, continuou, mandando prender também a Pedro. E eram os dias dos ázimos. E, havendo-o prendido, o encerrou na prisão, entregando-o a quatro quaternos de soldados, para que o guardassem, querendo apresentá-lo ao povo depois da páscoa. Pedro, pois, era guardado na prisão; mas a igreja fazia contínua oração por ele a Deus. E quando Herodes estava para o fazer comparecer, nessa mesma noite estava Pedro dormindo entre dois soldados, ligado com duas cadeias, e os guardas diante da porta guardavam a prisão.” [Atos 12.1-6]

INTRODUÇÃO:

Vamos nos situar, primeiramente, no momento histórico em que ocorreram os fatos relatados neste trecho de Atos. Após a morte, ressurreição e assunção do Senhor Jesus aos céus, os seus discípulos empreenderam a “Grande Comissão” de Mateus 28.19-20:


“Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém.”

O evangelho da graça estava se espalhando por toda a Judéia, e pelas províncias circunvizinhas, de maneira que a igreja ganhava diariamente novos convertidos do judaísmo e de outras religiões e cultos, e a revelação de Cristo, como Senhor e Salvador, o Deus-Homem, feito pecado em favor do seu povo, espalhava-se rapidamente, causando ódio e desejo de vingança entre os inimigos da verdade, os líderes de Israel, mas também entre o povo.

Nesse contexto, encontramos a Judéia governada por Herodes Agripa I, filho de Aristóbulo, nomeado rei por Calígula, um dos mais sanguinários, cruéis e depravados monarcas romanos. Agripa I vinha da linhagem de Herodes, o Grande, seu avô, cujo ódio a Deus levou-o a matar centenas de crianças em Belém [Mt 2.16], com o objetivo de eliminar o Rei dos Judeus anunciado pelos magos do Oriente. Esse homem, receoso de perder o seu trono, em sua ignorância grassa e maldade imperiosa, ordenou o infanticídio, conforme profetizado por Jeremias:

“Em Ramá se ouviu uma voz, lamentação, choro e grande pranto: Raquel chorando os seus filhos, E não quer ser consolada, porque já não existem.” [Mt 2.18]

Era também sobrinho de outro Herodes, o Antipas, que, para satisfazer o desejo perverso da sua cunhada [tomada para si por esposa], ordenou a decapitação de João o Batista [Mt 14.9].

Agripa provinha de uma linhagem de homens maus, ímpios governantes, que odiavam a Deus e tudo o que se relacionava a ele. Não é pois, portanto, de se estranhar o que veremos a seguir; a sua sanha, ou cruzada, contra a igreja.

Governou a Judeia e Samaria de 41 a 44 d.C.; alguns anos após a morte e ressurreição de Cristo.

A PERSEGUIÇÃO À IGREJA

Esse Herodes estendeu as mãos sobre a igreja para a maltratar. Claramente havia nele uma disposição para o mal e contra tudo o que se relacionasse com o nome do Deus bíblico, tal qual os seus antecessores. A Escritura ao dizer que ele “estendeu as suas mãos”, revela que dispôs de todos os meios ao alcance do seu poder, como governante da Judeia, para fazer valer, realizar, a sua vontade maligna. A expressão maltratar significa que tencionava fazer sofrer, infligir violência, ofender e arruinar a igreja, tratando-a brutal e cruelmente. Dessa forma, ficariam evidentes o seu desagravo para com os santos, mas também o seu poder em persegui-la. Porém, fica a pergunta: por que?

Na verdade, o mundo, como uma representação objetiva do mal a dominá-lo, e as pessoas que se entregam a ele, tem rejeição e ódio ao Deus Todo-Poderoso. Se você perguntar a qualquer ímpio se ele o odeia, via de regra, não encontraria afirmações categóricas e claras, expressões objetivas dessa ojeriza. Sejam elas pertencentes a culturas diferentes, religiões diferentes, sistemas políticos e econômicos diferentes, sentido moral e ético diferentes, negarão que odeiam a Deus, pelo contrário, dirão amá-lo [exceção seriam os ateus militantes, os materialistas ideológicos, os adoradores professos do diabo, e outros círculos a orbitá-los].

Entretanto, a qual Deus eles se referem? A um Deus genérico, sem identidade, sem pessoalidade, indefinido ou definido segundo padrões pessoais e exclusivos do próprio homem? Esse será sempre um Deus que se revelou pela criação humana, pelos delírios e imposturas humanas, jamais o Deus autorevelado e definido por si mesmo, tal qual nos deu a conhecer nas Escrituras Sagradas.

Nesse sentido, provavelmente Herodes, até mesmo ele, jamais foi capaz de dizer que odiava a Deus. Mas entre o ódio e o amor existe um abismo imenso; e a negação do primeiro não garante a profissão do segundo. Herodes pode não ter sido claro em sua relação com o Criador, mas os seus atos e vontade demonstravam inequivocamente em qual direção estava a sua alma: em inimizade completa a Deus; na direção contrária ao cumprimento da sua vontade santa.

O Deus de Herodes e do homem natural não pode ser jamais o Deus bíblico, uma vez que não há qualquer interesse ou desejo de servi-lo ou obedecê-lo, mas uma flagrante resolução de negar o seu governo, rebelando-se e fazendo de si mesmo seu senhor.

O individualismo, o egoísmo, a autoidolatria, o hedonismo, são marcas cada vez mais sedimentadas no homem moderno, que não reconhece outra autoridade a não ser a si; e acabando por guiar-se pelo mesmo caminho de morte pelo qual multidões se entregaram, desde o Éden. Caminhos divergentes da vida, e convergentes para a morte.

A respeito dessa inimizade do mundo para com Cristo e a igreja, o próprio Senhor, orando ao Pai, disse:

“Estando eu com eles no mundo, guardava-os em teu nome. Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que a Escritura se cumprisse. Mas agora vou para ti, e digo isto no mundo, para que tenham a minha alegria completa em si mesmos. Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou, porque não são do mundo, assim como eu não sou do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. Não são do mundo, como eu do mundo não sou.” [João 17:12-16]

Não é de se estranhar, portanto, o desejo colocado em prática de Agripa I em perseguir a igreja: o ódio a Deus manifestou-se no ódio aos seus servos, aos seus representantes neste mundo. A igreja incomodava o mundo com a pregação do evangelho de Cristo; condenando o que Herodes e o mundo amavam; trazendo à luz seus pecados; apontando-lhes a vida falseada; exigindo deles mudança de direção, arrependimento, e a verdadeira adoração ao Deus verdadeiro; o que eles não queriam, e resistiam com o que lhes havia de mais intenso na alma.

Não há como negar a oposição do mundo a Deus e sua palavra, e de que esta verdade não pode ser minimizada ou anulada por uma declaração de respeito e amor por um Deus genérico, criado à imagem do homem. O próprio fato de se defenderem todas as religiões, colocando-as no mesmo balaio, e empreenderem uma cruzada contra o Cristianismo, demonstra o quão malignamente está dominada a sua vontade. A permissividade e o consentimento com religiões frontalmente inimigas da fé bíblica, as quais se empenham há séculos em destruí-la, erradica-la da face da terra, revela a inclinação e o desejo não secreto de também aniquilá-la, favorecendo, encorajando os agentes do mal a instalar uma guerra desigual, onde os meios e a força são desproporcionais e injustos, deflagrados em um campo onde os cristãos não sabem e não podem lutar, cumprindo a vontade do Mestre e Senhor, Cristo, que lhes proporcionou um poder diferente, não para a morte, mas para a vida; não para que mais sangue seja derramado, pois o único sangue necessário para a redenção e propiciação do homem diante de Deus verteu-se na cruz, santo, justo e imaculado.

A nossa guerra é espiritual, em trincheiras que o mundo não entende; e, por não entender, decidiu tornar-se inimigo da igreja, afligindo-a, perseguindo-a, incapaz de compreender o amor que move e comove o povo de Deus a levar adiante o evangelho do nosso Senhor, a fazê-lo audível e inteligível a todos, revelando a graça e favor de Cristo. Se não creram em Jesus, a despeito dos inúmeros sinais que realizou, por que creriam em nós, servos inúteis? [Jo 12.37].

Então, Herodes não resistiu a todo o ódio que havia em sua alma, levando-o a matar Tiago, um dos doze, e primeiro mártir entre os apóstolos. O texto não nos diz se o apóstolo foi martirizado diretamente pelo rei, no sentido de ser ele que desferiu o golpe mortal, mas o coloca como o principal culpado, cujas mãos estavam manchadas pelo sangue inocente. Ele era o causador e responsável por aquele crime de morte.

OS QUE SÃO DO MAL, SE AGRADAM COM O MAL

A execução trouxe ainda mais notoriedade a Herodes. O povo agradou-se¹[também responsáveis pela morte de Tiago], animando o rei a continuar com a sua perseguição implacável. O alvo agora era Pedro; o qual mandou prender, com o intuito de fazer com ele o que havia sido feito com Tiago, dando-lhe o mesmo destino.

O que poderia ter sido um ato criminoso isolado tornou-se em uma maneira de trazer para Herodes a aceitação popular. E uma forma de aumentar o seu poder e controle sobre o povo, fazendo exatamente o que ele desejava, mas que também estava em harmonia com o imperioso desejo assassino do rei. Esse mesmo povo foi quem disse no Sinédrio: “Crucifica-o!” [Lc 23.21]. Foram eles que amaram mais a glória dos homens que a glória de Deus [Jo 12.43]. Que levaram Félix a manter Paulo preso, injustamente, para satisfazê-los. E ainda Pórcio Festo, sucessor de Félix, a persistir na injustiça, tudo para agradar à massa.

Podemos fazer um paralelo com os tempos atuais? Não está, boa parte da igreja, contaminada com o mesmo desejo de satisfazer o povo? Esquecendo-se da sua missão que é não distrair ou divertir, mas de exortar, instruir e fazer discípulos de Cristo? Essa igreja não apostatou da verdade, em favor de um evangelho falso, ilusório e homicida? O qual promove definitivamente a morte do homem? A separação eterna de Deus? Por que as igrejas, onde a palavra de Deus é proclamada, são sistematicamente tratadas como reacionárias, não amorosas e irreconciliáveis? Qual razão existe entre harmonizar o mal com o bem? Cristo com demônios? [2 Co 6.15].

Pois bem, o mesmo espírito assassino presente em Herodes e no povo judeu, perpassa muitos púlpitos e assembleias onde a verdade morreu, e a vida não tem lugar. Há apenas o cheiro de morte para morte, pois a verdade não os alcança, nem produz os efeitos necessários para libertarem-se da prisão eterna em que se encontram as suas almas, inebriados pelo falso evangelho, embalados pelos mercenários da fé [2Co 2.14-17]. O culto a Deus foi substituído pelo entretenimento, por técnicas capazes de arregimentar um maior número de adeptos, não importando o quanto permanecem distantes de Deus e do evangelho, o quanto rejeitam-no, o quanto trabalham em prol das trevas, satisfazendo a carne e mantendo acorrentado o espírito. O culto virou um show, onde Cristo é honrado com os lábios, mas não com o coração. A maioria está muito mais preocupada com o seu prazer e satisfação, em ver a adoração acomodada ao seu pensamento e prática do que o serviço verdadeiro e real ao nosso Senhor. Pois o culto é serviço a Deus, e deve se realizar segundo o seu padrão e não segundo a disposição natural do homem. O que pode haver de divino em danças sensuais, corpos estrebuchando e se esfregando no chão, sons inteligíveis, gestos histriónicos e balbúrdia?

Infelizmente, quem dita a regra são os homens, para a sua perdição e desgraça, quando deveria ser a obediência sincera àquilo que nos foi dado como norma e regulador do culto. E uma adoração antibíblica e desordenada dará lugar a uma fé claudicante, no mínimo, quando não uma fé artificial e impostora, cada vez mais a enganá-lo em sua fantasiosa simulação de bem, quando é o mal imitando dissimuladamente a virtude, a santidade. Os líderes religiosos atuais se assemelham muito a Herodes, ao buscarem satisfazer os desejos deles para angariarem a si maior fama, poder, influência e domínio. E as multidões que se aglomeram nestas igrejas se parecem com os israelenses daquele tempo, vivendo por um divertimento, no desvio moral dos valores da fé cristã.

Alguém pode alegar que essas práticas não trazem problemas mais sérios, pois Deus é capaz de compreender e aceitar a nossa adoração como válida. Contudo, ele mesmo nos adverte a não transigirmos a sua vontade, ainda que sejamos bem-intencionados. Estão a nos alertar os casos de Caim, que mesmo levando a Deus o melhor dos frutos da terra, não o agradou, enchendo Caim de fúria e desejo assassino, culminando em crime e pecado [Gn 4.5-8]. Também Uzá, preocupado com o destino da Arca da Aliança, prestes a cair da carroça onde estava sendo transportada, tocou-a, quando não lhe era permitido fazê-lo, vindo a morrer imediatamente pela desobediência [1CR 13.9-10].

Note-se que os judeus comemoravam a Páscoa ou Pessach [em hebraico, significando passagem. Também chamada de Festa dos Pães Ázimos], e que se iniciava no dia 14 de Abibe, Abril. Este período tinha por objetivo buscar a santificação; relembrando-os de que Deus havia passado em suas casas, quando ainda estavam no Egito, marcando-as com sangue, livrando-os da morte e condenação [Ex 12,27]. Significa também a lembrança de que foram escravos, servindo a outro senhor, mas agora estavam libertos e deviam servir ao único e bom Deus.

Era a festa mais importante do calendário judaico; um período de contrição, de sincera avaliação, arrependimento, e retomada do caminho de vida. De escravos errantes, perdidos em um mundo em queda, para poupados da condenação, salvos e constituídos herdeiros do Reino divino. Uma glória imerecida, inalcançável, propiciada pelos méritos exclusivos de Cristo.

Pedro foi colocado sob a guarda de quatro quaternos de soldados [4 x 4 = 16], e esperavam terminar a Páscoa para executá-lo.

Herodes e o povo respeitavam, ou cumpriam, o princípio dietético, de não comer pão fermentado, mas desprezavam o fundamento santo. A preocupação não era se Deus os aprovava ou não, mas de as festividades não serem interrompidas ou desviadas em seu propósito ritualístico. Propósito este que imaginavam cumprir, e sequer cogitavam estar quebrando com seus planos e ilações diabólicas. Na verdade, havia um princípio de gozo e alegria com o pecado, mesmo guardando-se formalmente um mandamento divino [Ex 12.15]. Eles eram “massa fermentada”; da mesma origem do diabo, o qual veio matar, roubar e destruir.

A IGREJA ORAVA INSISTENTEMENTE… PEDRO DORMIA

Enquanto as festividades corriam nas ruas, casas, salões e no Templo, Pedro era mantido preso. Em seu favor orava a igreja insistentemente a Deus. Muitos entendem a oração como uma arma poderosa para demover o Senhor da sua vontade. Existem absurdos dignos dos mais desprezíveis, incautos e delirantes homens, no sentido de que, ao orar-se com muita fé, a vontade divina pode ser vergada ou dobrada pelo homem. O cristão atual, em sua maioria, carrega a oração com um misticismo digno dos pagãos, onde a penitência e o mérito está em quem ora e não naquele que é poderoso, sábio e justo para realizar ou não o pedido.

Não raro alguns são acusados de não terem seus pedidos atendidos por lhes faltar fé ou um pouco de fé, de não alcançarem o nível exigido de fé. Sendo um dom divino [Ef 2.8], e não algo produzido no próprio homem por si mesmo, ninguém jamais possuirá, em si, a porção suficiente para satisfazer a Deus. A fé é uma dádiva; e antes de mover a vontade divina, é ele quem nos move, pela fé que nos dá, a fim de cumprir os seus perfeitos e santos conselhos.

Entretanto, alguém pode questionar: Se a igreja orava por Pedro, provavelmente orou por Tiago. Por que então ele não sobreviveu e morreu? Qual o sentido da oração se não for mover o coração de Deus a atender-nos?

A Escritura nos diz que tudo quanto pedirmos a Deus, em oração, ele o fará, segundo a sua vontade [1Jo 5.14-15]. Primeiro, o pedido deve estar em harmonia com a vontade divina. Segundo, não o façamos por deleite, vaidade ou apetite carnal. Não se deve pedir o que é ilegítimo. E sob a forma de murmuração ou exigência. A nossa vontade deve estar constantemente cativa à vontade divina, e não o contrário. E o mais importante: reconhecer o Senhor como soberano, seja qual for a sua decisão em relação a nossa oração, o seu cumprimento ou não. Afinal, o resultado será para a sua glória. A igreja orou por Tiago? Provavelmente, sim. Houve tempo suficiente para que o anúncio da sua prisão chegasse aos ouvidos da igreja. Certamente, a partir daquele momento, eles suplicaram por sua vida. Mesmo assim, ele veio a ser martirizado. Faltou fé à igreja? Não! O propósito divino era outro, contudo. A morte do apóstolo cumpriria a vontade soberana, justa e santa de Deus. Podemos cogitar os motivos? Sim. Ainda que o Senhor não nos deva nenhuma explicação quanto à razão dos seus feitos, bastando-nos aceita-los. De alguma maneira, a igreja estava sendo trabalhada por Deus, através da oração, mas também do sacrifício de Tiago, como no de Estevão, e muitos outros que se seguiram.

Havia uma confiança a ser aprimorada, a dependência divina, e a esperança em sua providência, seja na alegria, seja na dor. A fé, como está escrito, é a certeza das coisas que não se veem; e o maior exemplo de fé a certeza de que estarmos sempre sob os cuidados amorosos do Pai, não importando a situação. Não é o que Paulo nos diz?

“Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo; Pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus. E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência, E a paciência a experiência, e a experiência a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.” [Rm 5.1-5].

E ainda, Pedro, que ratifica esta afirmação:

“Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações, Para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo” [1Pe 1.6-7]

E complementa:

“E o Deus de toda a graça, que em Cristo Jesus nos chamou à sua eterna glória, depois de havemos padecido um pouco, ele mesmo vos aperfeiçoe, confirme, fortifique e estabeleça.” [1Pe 5.10]

O fato é que o coração do homem e o seu desejo não podem mudar ou convencer a Deus de algo. Antes o Senhor é quem nos convence e nos move segundo a sua vontade. A igreja deve orar como forma de adoração, ao se colocar humildemente sob a vontade divina, reconhecendo o seu poder, mas também o seu amor paternal, a nos conduzir, aperfeiçoando-nos para aquele dia em que seremos tal qual é o nosso Senhor. Aqueles irmãos poderiam pegar em armas e investirem contra o governo de Herodes a fim de libertarem Pedro, ou Tiago. Do ponto de vista humano seria uma saída plausível. Estaríamos em harmonia com a vontade divina? De nos sujeitarmos ao seu senhorio e governo? Não! Coube ao povo de Deus clamar, insistentemente, continuamente, para que Pedro, ou Tiago, fossem libertos. No segundo caso, as orações não foram atendidas, e ele foi entregue à sanha homicida de Herodes e do povo². No primeiro caso, veremos a seguir o aconteceu.

Voltando a Pedro, o encontramos, enquanto a igreja está de vigília, dormindo. Seria esta a atitude correta do apóstolo? Por que não seu uniu aos demais irmãos em oração por sua vida? Mas ele conseguia dormir, acorrentado a dois soldados, sabendo que naquele dia seria apresentado e morto diante do povo por Herodes.

Fico a pensar se eu seria capaz de manter-me tranquilo diante da morte. Pedro, talvez, estivesse certo do seu fim, já que Tiago, um dos três, juntamente com Pedro e João, era um dos discípulos mais próximos e chegados de Jesus. Se ele não foi poupado, por que Pedro seria? Parecia que Pedro trabalhava com essa certeza, como algo inevitável. Porém, é possível afirmar a confiança do apóstolo no Senhor. Ele sabia que a sua vida estava guardada em suas mãos poderosas. Ainda que não soubesse de fato o que sucederia, a morte não era uma aflição, nem motivo de angústia. Provavelmente ele pediu por sua vida, mas descansou em seu pedido. Era-lhe suficiente ter pedido, assim como suficiente era esperar na providência divina: de mantê-lo mais algum tempo neste mundo, ou leva-lo para junto a glória eterna. De alguma maneira, Pedro já tinha a sua resposta; e não a esperava com ansiedade. Pelo contrário, dormia.

Haveria contradição entre a atitude de Pedro e a do restante da igreja? Se de um lado havia um intenso clamor, no outro o descanso silencioso? Novamente, não! Eram atitudes complementares e necessárias. Se de um lado o alvo da oração descansava, e estava certo em descansar e esperar no Senhor, de outro lado, o clamor insistente também revelava a confiança de ser Deus o único capaz de preservar a vida do apóstolo, pois enquanto os homens, animais e demônios têm o poder de tirar a vida, Deus é o único capaz de dá-la e preservá-la. Em ambos os lados havia uma única certeza: Deus pode, e o fará segundo a sua vontade, para a sua glória. Cabe-nos confiar e depositar a nossa esperança nele; sabendo que a oração insistente, em favor do próximo, é o nosso dever, sobretudo para que encontrem a paz e o repouso, possível somente em Cristo, assim com Pedro encontrou. Da parte de Pedro, aprender que nossas vidas devem estar em conformidade com a vontade divina, em serviço a ela, seja aqui ou na eternidade.

NOTAS:
1-A palavra tem o sentido de satisfazer-se; de estar em conformidade com a vontade de quem se agrada, fazendo-o deleitar-se, ter prazer.

2-A se notar o fato de que este é o único relato e descrição de morte de um apóstolo na Escritura; nenhum outro teve a morte relatada. Trazendo um significado necessário a ela.

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