Semeando o Evangelho

Semeando o Evangelho
Semear a Verdade e o Amor de Deus

sábado, 27 de janeiro de 2018

A TRIUNIDADE DE DEUS (2/4)

Por Heber Carlos de Campos

c. Base histórica da doutrina da Trindade

A doutrina da Trindade experimentou um desenvolvimento já nos primeiros séculos da igreja cristã, pois as controvérsias sobre a natureza das pessoas trinitárias gerou uma formulação mais elaborada no Credo Apostólico e nos credos subsequentes dos primeiros concílios ecumênicos, como o de Nicéia (325), o de Constantinopla (381) e o credo de Atanásio.

A história da doutrina da Trindade foi mais importante e significativa nos períodos das controvérsias em torno do Monarquianismo,79 do Arianismo e do Macedonianismo.

AS CONTROVÉRSIAS TRINITÁRIAS DO MONARQUIANISMO
Houve dois tipos de monarquianismo na história da igreja. O monarquianismo sempre esteve ligado a controvérsias a respeito da pessoa de Cristo, pois foi uma tentativa de explicar o elemento divino em Cristo, mas sem cair no erro do triteísmo. Todo monarquianismo era unitário, isto é, cria na existência de um só Deus, porém unipessoal, não tripessoal. Sempre tentou-se mostrar que há um Deus somente, mas a dificuldade era mostrar como poderia haver três pessoas em uma só essência numérica.

Os dois tipos de monarquianismo foram conhecidos como Modalista e Dinâmico.

a. Monarquianismo modalista

Esse monarquianismo também foi chamado de Sabelianismo na igreja oriental e Patripassianismo na ocidental. Teve como expoentes Noeto (c. 200), Práxeas (c. 200) e Sabélio (c. 215), todos eles em Roma.

O monarquianismo modalista possuía uma tendência docética em sua cristologia. Para essas pessoas, Cristo não era realmente homem, mas tinha aparência de homem. A tendência desse tipo de modalismo era apresentar Cristo como divino, mas não uma pessoa distinta do Pai e do Espírito Santo. Todavia, não há nenhuma preocupação no modalismo de mostrar a sua humanidade. Portanto, todo monarquianismo modalista vai negar, em algum grau, a humanidade de Cristo.

Há alguns pontos claros no monarquianismo modalista:

1) Deus é essencialmente um. O monarquianismo modalista começa com a unidade de Deus, afirmando um só Deus, mas também uma só pessoa. Nega, portanto, a sua tripersonalidade.

2) A Trindade é vista somente de maneira revelacional ou econômica. Deus revelou-se de três modos diferentes ou agiu de três modos diferentes. Não existe a Trindade essencial ou ontológica.

3) Pai, Filho e Espírito Santo não são pessoas, mas modos de manifestação ou modos de revelação do Ser divino. Eles não são co-eternos, mas sucessivos cronologicamente.

4) O primeiro modo de manifestação é o Pai, na criação e na doação da lei ao seu povo; o segundo modo de manifestação é o Filho, na encarnação; e o terceiro modo é o Espírito, na regeneração  e na santificação. Nunca os três modos aparecem simultaneamente na história da revelação, mas sucessivamente.

b. Monarquianismo dinâmico

O monarquianismo dinâmico teve como expoente Paulo de Samosata (260). Em contraste com o monarquianismo modalista (que nega a plena humanidade de Cristo), este tem uma tendência ebionita, pois começa por negar a divindade essencial de Jesus Cristo.

Há algumas proposições básicas nesse tipo de monarquianismo que justificam a sua designação como “dinâmico”. Não se deve esquecer que todo tipo de monarquianismo  é unitarista:

1) Deus é essencialmente um, mas também é uma só pessoa. Como é típico do monarquianismo, o fundamento essencial é o unitarismo e não o trinitarismo. Há uma monarquia (mono+arche), isto é, o governo de uma só pessoa e uma só essência.

2) O Logos (Filho) e o Espírito não são pessoas divinas distintas. O Espírito é um atributo, uma espécie de dynamis (poder) de Deus, um atributo impessoal em Deus. O Filho não é ontologicamente Deus, mas recebe o dynamis de Deus na sua experiência do batismo, sendo elevado a uma categoria divina. Portanto, é chamado monarquianismo dinâmico porque o homem Jesus recebe o dynamis de Deus e é elevado a uma posição que não possuía antes.

Dessa forma, Paulo de Samosata assevera que o Logos vem a ser homoousios (da mesma essência) ou consubstancial com o Pai, mas o Logos não é uma pessoa distinta da divindade. Paulo de Samosata entendeu o termo “ousia” no sentido de pessoa, e não de natureza ou essência. Portanto, no seu pensamento, o Logos é uma pessoa com o Pai, sendo da mesma “ousia”. O seu uso de homoousios veio a significar que o Logos (Filho) foi uma única pessoa com o Pai, negando, assim, a Trindade. O Logos poderia ser identificado com Deus porque existia nele da mesma forma que a razão existe no homem. O Logos é, portanto, um poder impessoal presente em todos os homens, mas particularmente no homem Jesus.

No ano 268, o Sínodo de Antioquia rejeitou esse termo “ousia” com o senti­do que Paulo de Samosata lhe deu. O Concílio de Nicéia, em 325, usou o termo homoousios no sentido de essência, não de pessoa, para combater Ário. Observe-se que o Concílio de Nicéia ordenou o rebatismo dos seguidores de Paulo de Samosata e, dessa forma, tratou-os como não cristãos por causa do seu unitaris­mo. Isto é, eles negaram a doutrina da tripersonalidade em Deus. É bom lembrar que a Escola de Antioquia, Ário e Nestório tiveram a mesma tendência de Paulo de Samosata.

3) Jesus Cristo é adotado como o Filho de Deus. Originalmente, Jesus era um mero homem. No momento do seu batismo, o dynamis de Deus, que é o Espírito,  desceu  sobre ele em forma de pomba e qualificou-o para sua tarefa especial, de tal modo que ele podia realizar milagres e tinha outros poderes. É bom ter-se em mente que o Logos (dynamis ) morou  em Jesus como em um templo. Assim, quando o dynamis desceu sobre Jesus, este tornou-se um Filho de Deus adotado, em virtude de sua qualificação especial  através do Logos, e em virtude da obra realizada por ele.

A divindade de Jesus Cristo é, todavia, uma divindade de honra, de adoção, mas não uma divindade essencial. A deificação de Jesus Cristo ocorre por graça. Há divergência entre os estudiosos sobre se essa deificação foi completada no batismo ou na sua ressurreição. O Logos progressivamente penetrou a natureza humana de Jesus Cristo e esteve presente nele mais plenamente do que em qualquer outro ser humano. Assim, ele é digno da honra divina. Todos os monarquianistas dinâmicos são adocionistas.

Portanto, a cristologia de Paulo de Samosata evita que haja uma tripersonalidade em Deus, afirmando o seu monarquianismo, isto é, a sua ideia de um só princípio, uma só pessoa.

AS CONTROVÉRSIAS TRINITÁRIAS DO ARIANISMO
O originador do movimento conhecido como arianismo foi Ário (250-336), um presbítero de Alexandria que por volta de 318 tornou-se adversário teológico do seu bispo, Alexandre (t328). Ário teve como grande apoiador, fora dos limites do Egito, o grande Eusébio de Nicomédia (t342), o primeiro bispo pro­ eminente   da  era  constantiniana.

Para Ário, Deus era “não-gerado, único eternamente, o único a possuir imortalidade, o único sábio, o único bom, o único soberano”. Esses elementos que eram parte da sua essência não poderiam, de forma alguma, ser atribuídos a outra pessoa sem cair no erro do politeísmo. Para Ário, somente o Pai era verdadeiramente Deus. Como unitário que era, Ário rejeitou a doutrina da Trindade.

Eis alguns pontos da sua doutrina cristológica:

1) Deus somente é sem começo, não-gerado, não-originado. Este é o sentido de eterno para Ário.

2) Deus não foi eternamente Pai. Houve um tempo em que ele era só. Deus veio a ser Pai somente quando criou o Filho.

3) O Filho é originado, o unigênito, o primogênito. O Filho, portanto, teve um começo. Houve um tempo em que ele não era. Antes de sua geração ele não existia.

4) O começo do Filho foi uma criação a partir do nada, antes da existência do mundo material. O Filho foi criado pelo poder e pela vontade do Pai. A expressão usada por Ário de que ele foi “sem começo” deve-se à expressão contrária usada por seu adversário, o bispo Alexandre, que havia dito que assim como Deus foi “sempre o Pai”, o Filho foi “sempre o Filho”.

5) O Filho, embora criado, veio de cima. Era considerado como uma criatura especial para exercer uma função específica. O Filho veio a tornar-se o cria­dor do Espírito e do universo físico. A razão da criação do universo ser obra do Filho é porque, na visão de Ário, o universo não poderia ter vindo imediatamente da mão de Deus. Assim, o papel mais importante de Cristo era ser o servo de Deus na obra da criação. Dessa forma, vindo diretamente da mão de Deus, para exercer a obra da criação, Cristo veio de cima. Nesse sentido, a cristologia de Ário é considerada “from above” (que vem de cima).

6) Portanto, o Filho não é verdadeiramente Deus. Ele não é homoousios, co­-essencial ou consubstancial com o Pai. Jesus Cristo é um tertium quid, um ser intermediário; todavia, em vista de seus méritos previstos e em vista da sua futura glória ele é chamado de Filho de Deus e venerado pelos homens. Nesse sentido, a cristologia de Ário é adocionista.

Portanto, com essa visão de cristologia, Ário anula a doutrina da Trindade, pois o Filho não é essencialmente Deus.

O arianismo foi condenado no Concílio de Nicéia, em 325, mas não ficou morto. Ele sobreviveu subterraneamente nas três décadas seguintes e teve um fortalecimento entre os anos 353 e 378, porque nesse tempo teve apoio imperial. Seu declínio ocorreu ao perder o apoio real, em 378, e com o Concílio de Constantinopla, em 381, que sustentou e fortaleceu a ortodoxia afirmada em Nicéia.

AS CONTROVÉRSIAS TRINITÁRIAS DO MACEDONIANISMO
Em contraste com os monarquianos e os arianos, a questão do macedonianismo tem a ver com a divindade do Espírito. Atanásio havia afirmado que o Espírito Santo era homoousios (da mesma essência) com o Pai, no que teve o apoio dos pais capadócios. Fazendo isto, em 362, no Concílio de Alexandria, Atanásio assegurou a doutrina de que o Espírito não era uma criatura do Filho, como ensinaram os arianos, mas que era inseparável do Pai e da mesma substância dele. Essa asserção era necessária porque havia alguns que ensinavam que o Espírito era uma espécie de “energia” de Deus, e não uma pessoa divina, em igualdade com o Pai.

Os opositores da plena divindade do Espírito Santo ficaram conhecidos como macedonianos (ou pneumatomaquianos, “lutadores contra o Espírito”). A primeira designação, que ficou em voga após o ano 380, lembra o nome de Macedônio, bispo de Constantinopla, que foi deposto pelos arianos em 360, mas historicamente não há nada que indique que ele tem algo a ver com os macedonianos.

O segundo nome, pneumatomaquianos, refere-se àqueles que provavelmente Atanásio tinha em mente quando insistiu sobre o fato de o Espírito ser homoousios com o Pai.

Nenhum comentário:

Postar um comentário