Semeando o Evangelho

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Semear a Verdade e o Amor de Deus

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

NATAL SOTERIOLÓGICO: A NECESSIDADE DA ENCARNAÇÃO E EXPIAÇÃO

Por Eliandro da Costa Cordeiro

Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. (Jo. 3:16)

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Sem que se recorra à toda a teologia apresentadas nos evangelhos acerca da pessoa de Jesus,o seu nascimento será como o de qualquer homem. Ele será um homem bom, ético, mestre da moral, mas nunca o Salvador dos homens. Estes morrem presos às desgraças de seus pecados em ofensa à Santidade divina; Jesus será incapaz de dar aos homens aquilo que vai além de um alívio existencial (ICor.15:19).

Entender Jesus Cristo como Deus-Homem é compreender a chave de todo o plano de Deus para com os homens. É sob esta perspectiva que Ele é introduzido na história da humanidade. Tem-se Nele não apenas o nascimento de um homem ou o de um deus salvador, mas o nascimento do Homem-Deus Salvador. É tal verdade bíblica que tem servido de embaraço para muitos teólogos, estudiosos e crentes pelo mundo. Porém, a dificuldade de dois mil anos acerca do Logos divino não nos serve de desculpas para que neguemos o que a Bíblia diz sobre a sua encarnação: “O verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo.1:14).

Dizer que o Verbo se fez carne é dizer, igualmente, que o filho de Deus se fez homem; isto é, que o Filho eterno de Deus Pai se fez filho temporal. O Logos eterno se fez o Cristo Jesus, princípio, meio e fim de toda a história humana. O Verbo se fez carne; não se uniu a um ser humano. O Filho de Deus não assumiu uma pessoa humana, mas uma natureza humana. Trata-se da união de uma só pessoa em duas naturezas. Cada uma destas naturezas possui em si as suas propriedades inalteradas em essência. Tal estrutura própria dessas naturezas é assumida pelo Filho de Deus (Rm.1:3;Fl.2:5-11;ITm.2:5). Jesus Cristo não é, por isto, Deus e Homem, mas o Deus/Homem. Sem que se aceite esta santa verdade, toda a história da salvação se perde (Hb.1:2,3;Ef.1:22,23;2.16-18;4.10;1Jo.2.2).

Pensar no nascimento de Cristo deve levar os homens à intensa e extensa noção de que a pequena história humana é, significativamente, manifestação do amor gratuito de Deus. Não se trata de um capricho ou ação espontânea da divindade, tal qual um homem que não consegue entender os fatos anteriores que lhe coagiram a agir como agiu no presente. Jesus Cristo é Deus em busca do homem (Lc.15:24;Lc.19:10;Hb.2:18;7:25). Conforme Sturz, “deve-se lembrar que a salvação é o propósito por trás da encarnação do Filho de Deus (Jo.3:16;2Co 8.9).” Deus em Cristo significa que a busca do Pai pelo homem não ocorre apenas numa realidade lógica ou metafísica. Para Lutero, a encarnação do Filho de Deus significava que, “onde está Deus, ali também está o homem; e o que faz Deus, também o faz o homem; e o que o homem faz e padece, isso o faz e padece Deus.” A Encarnação de Jesus Cristo (divina) engendra no relógio do desespero humano e assume os contornos da pálida figura de homem (Is.53:1ss;Hb.2:16-18).

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A revelação de Deus aos homens se dá sobrenaturalmente na figura humana (Lc.1:35;Fl.2:7). Todavia, o que há de mais natural do que o ser humano (Hb.2:17,18)? Por que se rejeita a doutrina de um Deus que se faz homem, quando se acha natural Deus fazer tudo o quanto existe a partir do nada? Não se nega que houve uma ação sobrenatural no nascimento de Jesus Cristo (Is.7:14;Mt.1:18-25;Lc.1:26-38); também não se nega que a encarnação do Filho seja uma linguagem difícil de ser compreendida pelos homens. Todavia, a Bíblia apresenta-nos que o seu nascimento é tanto uma processo divino como humano (Lc.2:11;

Segundo Bavink, “quem quer que pense que a encarnação seja impossível, em princípio, também nega a criação do mundo e a geração do Filho. E quem quer que aceite a criação e a geração não pode ter qualquer objeção, em princípio, à encarnação de Deus na natureza humana.” A fé que compreende, mediante o conceito que o Cristianismo apresenta de Deus Criador, que Aquele que traz do nada o que agora existe pode facilmente entrar na história dos homens (Jo.1:3;Hb.11:3). A fé cristã lê na encarnação do Verbo a mais encantadora das linguagens do amor: “Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc.2:7,11,12;16,17,21,40).

É quando o Filho é engendrado neste mundo que o plano de Deus torna-se manifesto e a fé é a lente apropriada para se ler este plano (Jo.1:12-14;ICor.2:6-16). Um menino nasce, um homem morre e nada muda a despeito da Razão humana (Mt.27:40;Mc.15:30). O Deus-Homem nasce, morre e ressuscita e a alegria da fé humilha a Razão aos pés da cruz (mt.27:54). O nascimento do Deus-homem só é menos escandaloso do que a sua morte na cruz. O nascimento de Jesus Cristo é, mormente, redentor. Por Isto é impossível pensar seu nascimento excluido de sua morte.

Consideremos a epístola do apóstolo Paulo aos Filipenses e descobriremos quão inerente é a encarnação da expiação (Fl.2:7,8). Bavink nos lembra que a pregação apostólica “raramente menciona a concepção e o nascimento de Jesus, mas coloca toda a ênfase sobre a cruz, a morte e o sangue de Cristo. Não foi pelo nascimento, mas pela sua morte que nós fomos reconciliados com Deus (Rm.5:10).”

O nascimento do Deus-homem esconde a semente de sua morte e ressurreição (Jo.18:37). Naquele corpo envolto em panos na mangedoura estava a fé dos crentes; ainda semente. Portanto, aquele garoto carregava em si a morte, a ressurreição e a vida. Nasce para a morte; morre para ressurgir: eis a mensagem do Natal! E não há mensagem mais simples e poderosa do que esta: “Vamos, pois, até Belém, e vejamos isso que aconteceu, e que o Senhor nos fez saber” (Lc.2:15).

1. Pensar o Natal é pensar na salvação dos homens: Parece um grande paradoxo olhar para o bebê da manjedoura, em Belém, e pensar em sua morte; mas é o que a Bíblia nos induz. Sem dúvida, o nascimento de Cristo é uma imagem de pura alegria e gratidão a Deus. Dialeticamente, a alegria e gratidão surgem pertinentes a que, senão, ao fato de que Ele deveria morrer por nossos pecados? Separe o nascimento de Jesus da cruz e a manjedoura perderá toda a alegria.

É verdade que podemos pensar nos acontecimentos (encarnação, morte e ressurreição de Jesus) como dados cronologicamente. Podemos nos alegrar com o seu nascimento, nos entristecer com a cruz e exultarmos com a sua ressurreição. A questão é que, quando se lê o Novo Testamento, ele nos exige que se compreenda a vida de Jesus como um todo, não multifacetado. Jesus Cristo é a manifestação não só do amor de Deus pelo homem, mas a manifestação do seu completo ódio pelo pecado humano herdado em Adão.

Conforme a teologia paulina, o nascimento, morte e ressurreição de nosso Salvador se faz propícia à satisfação da Justiça divina contra os homens. As exigências da justiça que a santidade de Deus não encontra nos homens descansam na satisfação das obras de Cristo (Is.53:10,11;IICor.5:21;Fl.3:9).

A Santidade divina exige que todo o pecado seja punido (Gl.3:13). O fato é que, somente um coração regenerado pode entender a profundidade de sua ofensa a Deus. Um homem que não conhece, o mínimo que seja, da santidade de Deus e dela projetou uma esmaecida sombra, jamais associará a encarnação de Cristo à necessidade de Sua morte. O nascimento de Cristo para um homem carnal é (quando muito) apenas um ato de amor de Deus; enquanto para o crente, é a manifestação tanto do amor divino como o do seu ódio para com o pecado humano (Rm.3:25;Gl.3:13;IJo.4:10). O crente sabe que a santidade deve fazer a pena seguir-se ao pecado e o amor deve compartilhar a pena com o transgressor. “A cruz foi a apresentação completa da santidade que requereu e do amor que proveu a redenção do homem” (Strong, Teologia sistemática, p.379).

É neste contraste que a Santidade divina se manifesta perfeita, de amor eterno e de justiça elevada. É a partir desta perspectiva que Deus é adorado pelos cristãos. Ele, na humilhação e exaltação de Jesus Cristo instiga, naturalmente, a adoração nos corações dos regenerados (IICor.5:14).Nisto consiste o convite, prontamente aceito pelos redimidos: “adorai ao Senhor na beleza de sua santidade” (Sl.96:9).

É deste modo que a manjedoura está inerentemente ligada à cruz e é por isto que a cruz, além de escândalo, também implica na ideia de Glória de Deus, isto é, lança luzes sobre a ressurreição. Maria, mãe do Senhor percebera esta ligação (nascimento, cruz e ressurreição) quando ainda recebia a notícia de que seria a mãe do Salvador. Ouviu que “também uma espada traspassará a tua própria alma” (Lc.2:35).

A encarnação de Cristo é apenas o início, a introdução ao ato redentivo e reconciliador do Pai com a humanidade caída, mas não é um ato completo em si mesmo. O fim da encarnação é a expiação dos pecados dos homens (Hb.2:14).Encarnar-se daria ao Verbo eterno apenas uma dimensão diferente da qual ele tinha com o Pai na eternidade; uma comunhão na existência histórica dos homens. Demonstraria a condescendência divina à desgraça humana, mas só.

Neste aspecto, a encarnação serviria, somente, para aumentar ainda mais a desgraça e desespero dos homens perdidos em seus pecados. Cristo seria um exemplo alto demais para ser seguido e o seu relacionamento com Deus nos seria transcendente e impossível de se viver. O seu nascimento, portanto, sem todo o invólucro do plano soteriológico, é incompleto. Paulo dá a dimensão da plenitude da encarnação e cruz de nosso Senhor quando une à cruz o amor e a morte expiatória de Cristo. O apóstolo aponta para a cruz e diz que nela viu o Cristo que o amou e se entregou por ele (Gl.2:20).

Jesus mesmo esteve consciente de que veio para morrer. Assumiu que a sua morte era o cumprimento da vida (Mt.16:22,23;Lc.4:16ss; Jo.1:29;2:19;3:14×12:32,33;12:24). Nosso Senhor demonstra estar familiarizado com as passagens veotestamentárias que apontam ser-lhe necessário ir para a cruz (Is.53;Sl.22;29;Mt.16:21; Lc.24:26-44).

2. Nascimento e morte de Jesus são atemporais; é antes lógica e depois, histórica:

Embora de difícil compreensão, As Escrituras Sagradas aludem que o Cordeiro de Deus já estava morto antes da fundação do mundo (Jo.17:1,2,4,9,12;Rm.5:6-8;Ef.1:4;Gl.4:4,5;Hb.9:26;IPe.1:18-21).Todavia, Jesus nasce e morre num tempo apropriado (Gn.3:15;gl.4:4).

O fato de o sacrifico de Jesus ser ‘único’ e ‘para sempre’ (Hb.5:5ss;10:12) não implica que a salvação tenha ocorrência no tempo conforme os homens o concebe. O máximo que conseguimos nos aproximar da sublime sabedoria divina na salvação é que, embora o Filho foi morto antes da fundação do mundo (Ap.13:8), para completar a salvação, ele teve de vir, se encarnar e viver as agonias da morte num contexto histórico e patológico com os homens pecadores (Gl.4:4,5).

A lógica do Cordeiro morto antes da fundação do mundo incorre em dois elementos: (A)- é certo que o Deus Onisciente e Onipotente não é pego de surpresa no pecado de Adão no Édem. Ele é o Senhor, Sábio Criador. Criou tudo a partir do nada e dá vida a tudo o quanto existe sendo a vida destes seres (Jo.5:26;At.17:28;Rm.11:36). Tudo o quanto existe não tem existência em si mesmo, senão, pela vida que emana de Deus (Sl.104:29). É certo que a Bíblia não afirma que a cruz foi um “Plano B” no desígnio divino (Gn.3:15;Jo.20:9;at.2:23); (B)- é certo que a salvação deve ser histórica, pois os homens são seres participantes da criação juntamente com outras criaturas. A estrutura particular dos homens não alcança a vontade e a comunhão de Deus que se dê apenas no ambiente lógico.

A comunhão do homem com Deus limita-se à sua condição de existência. Embora Deus esteja acima do tempo, este lhe é uma realidade, pois foi por Ele criada. Para as Sagradas Escrituras, o tempo, a história humana, são perfeitamente receptíveis à presença divina (Is.57:15). Acertadamente Strog diz que, “o sofrimento do Cristo encarnado é a manifestação do sofrimento eterno de Deus no tempo e no espaço por causa do pecado humano. Contudo, sem a obra histórica que findou no Calvário, o duradouro sofrimento de Deus nunca podia tornar-se compreensível ao homem” (Strong, Teologia Sistemática, p.379).

Conclusão dos dois pontos aludidos: Brunner afirma que a expiação de Jesus foi um evento super-histórico. A morte do Salvador foi um evento tanto ‘fora do tempo’, como o fato de Deus carregar os pecados da humanidade na pessoa do Filho (Is.53:9,10)pela Via Dolorosa marcadamente no Primeiro Século. Charles A. Dinsmore resume esta verdade quando diz que “antes que houvesse uma cruz elevada na colina verde que estava nos arredores de Jerusalém, já havia uma Cruz no coração de Deus.”

3. A Necessidade da encarnação e expiação do Filho de Deus:

O Natal aponta para a necessidade lógica, real e fatual de que sem a encarnação de Cristo Jesus não haveria expiação. Consequentemente, sem a expiação por finalidade, a encarnação do Logos Eterno é obsoleta.

A união das duas naturezas em uma pessoa é necessária, pois constitui Jesus Cristo como o mediador entre o homem e Deus. As duas naturezas em Sua Pessoa estabelecem a perfeita união entre Deus e o homem. Ambas naturezas envolvem a dignidade igual à de Deus e, concomitantemente, assume a perfeita simpatia para com o homem (Hb.2:17,18;4:15,16).

Era, portanto, necessário que o Filho assumisse as duas naturezas em sua Pessoa, a fim de capacitá-lo na representação de Deus e do homem como o cumprimento da exigência da Justiça divina e, assim, promover a reconciliação. Enquanto humano, Cristo faz a expiação pelos pecados dos homens; enquanto Deus, a expiação assume valor infinito. Deste modo, “tanto a sua divindade como a sua humanidade combinam-se para mudar os corações dos ofensores e constrangê-los à submissão e amor (ITm.2:5;Hb.7:25)” (Teologia Sistemática. Strong.p.352).

A impossível desvinculação entre encarnação e expiação é observada em Hb.2:10,17,18. Neste texto, o autor afirma que “convinha que, aquele para quem são todas as coisas, e mediante quem tudo existe, trazendo muitos filhos à glória, consagrasse pelas aflições o príncipe da salvação deles.” O termo “convir” assume acentuado significado em Hebreus, pois implica afirmar que a necessidade da redenção era como que “obrigação” para o Filho de Deus. Tal “conveniência” assume a necessidade de Jesus estar totalmente ‘identificado’ com os homens. E Hebreus entende que tal identificação é manifesta no sumo sacerdócio de Jesus Cristo (cf.Hb.2:1ss).

O resultado lógico é que, o cumprimento do plano divino exigiu que o Filho encorporasse em si mesmo ambas essas naturezas, a superior e a inferior, para que assim pudesse conduzir a inferior ao mais elevado (Hb.2:10;Rm.8:29;II Cor.3:18;Cl.1:28; Ap.5:10). Cristo quando assume a natureza humana assume, também, uma união que se torna eterna. A união da divindade com a humanidade de Cristo é, agora, indissolúvel e eterna (Jo.17:5;Icor.15:28;Hb.1:8;7:24,25). É por isto que tendo Cristo feito um único sacrifício pelos pecados dos homens, pode interceder continuamente por nós junto ao Pai (Jo.17:11;Rm.8:34; Hb.7:25;IJo.2:1).

Não lembramos o Natal pela data, mas pelo motivo: “que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal” (I Tm.1:15). O natal está, portanto, para além da manjedoura. Cristo é deitado na manjedoura, envolto por Maria, José, pastores e anjos, mas morre na cruz desamparados por todos (Mt.2:1,9;Mc.14:50;15:34) a fim de satisfazer a santidade divina. Não foi, então, apenas a prova do amor de Deus que Jesus revelou quando nasceu entre os homens, mas foi, também, a manifestação da justiça divina derramada sobre Ele lá na cruz (Rm.3:25;IICor.5:21;Fl.3:9).

O cristão deve treinar os seus olhos a contemplarem, num único lance, tanto a manjedoura como a cruz. Olhos assim contemplam a profunda gravidade de seus pecados em contraste com o incomensurável amor e santidade divinos, capazes de levar Deus a tal ponto de se entregar no Filho no Calvário (Rm.5:8;Itm.1:15). Esses olhos verão as luzes  de Natal em ruas enfeitadas perderem o seu brilho, os presentes perderem a graça e a árvore enfeitada ter a sua beleza ofuscada pelo ápice do plano redentor de Deus. Todos os nosso presentes, bens e alegrias nos pedirão que rendamos aos pés da manjedoura e da cruz de Cristo o único presente que lhe satisfaz: o nosso coração (Pv.23:26).

Somente quando os nossos corações são dominados pelo Salvador, e ofertado a ele como o único presente que temos para lhe dar (Sl. 116:12), é que entendemos que somente com a manjedoura e a cruz é que o Natal existe!

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