Por Djesniel Krause
O denominado argumento moral busca demonstrar a existência de Deus a partir de uma inferência da existência de valores e deveres morais objetivos. Nos últimos anos, tal argumento tem sido defendido por um número significativo de apologistas cristãos, tais como Paul Copan, J.P. Moreland e o mundialmente conhecido William Lane Craig.
O apologista pressuposiciolanista Cornélius Van Til comenta que “existe um ponto de contato garantido no fato de que todo homem foi feito à imagem de Deus e possui impresso em sua natureza a lei de Deus”[1].
Assim, é importante que os cristãos interessados em demonstrar a razoabilidade do cristianismo e mantê-lo como uma opção intelectualmente viável para a sociedade contemporânea conheçam o argumento moral e saibam defendê-lo diante o escrutínio.
O argumento pode ser desenvolvido de modo dedutivo como segue:
1. Se valores morais objetivos existem, então Deus existe;
2. Valores morais objetivos realmente existem;
3. Logo, Deus existe.
Dada a veracidade da premissa 1 e da premissa 2, a conclusão segue lógica e necessariamente, assim, se alguém quiser refutar o argumento, terá que refutar qualquer uma das duas premissas.
As premissas serão verificadas com mais detalhes a seguir.
Na primeira premissa encontra-se que se os valores e os deveres morais realmente existirem de forma objetiva, então Deus também existe, ou, exposto de uma outra forma, os valores e os deveres morais objetivos somente existem se também Deus existir.
A conhecida máxima de Dostoievski é de que “se Deus não existisse, tudo seria permitido”[2], e isso se explica pelo fato de que na ausência de Deus, a moralidade humana não passa do resultado das adaptações evolutivas do homo sapiens, são culturalmente construídos ou impostos pela força, porém sem qualquer validade objetiva, em outras palavras, a moralidade torna-se relativa.
Conforme Paul Copan acrescenta, “se Deus não existe, então, simplesmente, não temos um alicerce adequado para uma ética objetiva, incluindo-se dignidade, direitos humanos intrínsecos, responsabilidade pessoal e obrigação moral”[3].
Também Rice Broocks comenta que “se Deus não existe, não poderia haver uma moralidade transcendente que todos devessem obedecer. O bem e o mal seriam simplesmente ilusões criadas arbitrariamente pelo homem”[4].
A experiência de C.S. Lewis também é pertinente ao assunto, o autor relembra seus anos de ateísmo: “Meu argumento contra Deus era o de que o universo parecia injusto e cruel. No entanto, de onde eu tirara essa idéia de justo e injusto?”[5] Com o que Lewis comparava o mundo a fim de considerá-lo injusto? “Um homem não diz que uma linha é torta se não souber o que é uma linha reta”[6].
Interessante notar que até mesmo ateus concordam com essa estreita relação entre a existência de Deus e a moralidade.
Um exemplo é Richard Dawkins, que como é amplamente conhecido, não faz questão alguma de esconder seu ateísmo, segundo ele, “não podemos admitir que as coisas possam ser nem boas nem más, nem cruéis nem carinhosas, mas simplesmente cruas – indiferentes a todos os sofrimentos e sem nenhum propósito”[7].
Na verdade, muitos ateus preferem que a realidade seja exatamente assim, sem propósito e sem moralidade objetiva; conforme John Frame comenta, “muitos acham o ateísmo atraente por uma boa razão. Afinal, as pessoas fogem de Deus por não querer ser responsabilizadas diante dele. Como todas as formas de descrença, o ateísmo é essencialmente um escape à responsabilidade”[8].
A ex-freira Karen Amstrong comenta que “é maravilhoso não ter de se acovardar diante de uma divindade vingativa, que nos ameaça com a condenação eterna se não seguirmos suas regras”[9].
Alguns optam por acreditar na inexistência de Deus justamente para tentar livrar-se de suas responsabilidades morais, do peso de precisar responder por suas ações, principalmente no que tange a liberdade sexual.
O grande escritor britânico Aldous Huxley admite que “nós nos opusemos à moralidade porque ela interferiu em nossa liberdade sexual”[10] (tradução nossa).
E C.S. Lewis ironiza tal situação:
Consideremos todas as idéias de dever como um simples e útil método de sobrevivência: deixemos de lado tudo isso e comecemos a fazer o que bem quisermos. Decidamos por nós mesmos o que o homem deve ser e façamos com que se torne o que desejamos, não com base num valor ideal, mas apenas porque queremos que assim seja. Tendo decidido as nossas circunstâncias, sejamos agora os nossos próprios mestres e escolhamos os nossos próprios destinos.[11]
Assim, dada a veracidade da primeira premissa e tendo sido afirmada a dependência da existência de Deus para a objetividade dos valores e deveres morais, tratar-se-á agora da segunda premissa do argumento: valores morais objetivos realmente existem.
Alguns críticos, em geral ateus ou agnósticos, argumentam que a moralidade é precisamente aquilo que afirmou-se que ela seria dada a não existência de alguém como Deus: relativa, culturalmente construída, é apenas o resultado provisório dos processos evolutivos dos quais o ser humano está subordinado, mas não há, de fato, algo que seja realmente certo ou realmente errado, não há algo como uma lei moral absoluta.
Partindo deste pressuposto da não existência da moral objetiva, não apenas a sexualidade fica sem parâmetros, mas mesmo a corrupção por parte dos governantes, o crime organizado e mesmo assassinatos – que podem não ser muito bem vistos e aceitos pela sociedade em geral – mas não são intrinsecamente errados.
Assim, havendo todo um esquema de corrupção instaurado, sendo minimizado de forma significativa a possibilidade de punições ou conseqüências pessoais, qual o motivo para não ser corrupto?
Como comenta R.C. Sproul, “se o crime compensa então não há razão prática para ser virtuoso”[12].
Mas conforme a crítica de Lewis ao relativismo moral, “o ceticismo em relação aos valores é apenas superficial, sendo válido apenas para os valores alheios; eles não são muito céticos em relação aos valores correntes em seus próprios meios”[13].
“A reação dos críticos frente a injustiças cometidas contra eles próprios releva uma crença mais profunda na existência de valores morais objetivos a despeito do seu discurso relativista”[14].
Os políticos brasileiros podem desviar milhões de reais dos cofres públicos e nem ao menos sentir algum constrangimento ou remorso, mas basta que a sua casa seja invadida e seus bens roubados, para que eles estejam convencidos de que o roubo é condenável.
Há, claro, situações limítrofes onde pode se questionar se de fato o roubo é absolutamente errado, não seria louvável alguém que se arrisca em roubar comida da cozinha de um ditador para alimentar civis famintos?
Mas ainda assim, como coloca Samuel Johnson, “o fato de haver uma coisa como o crepúsculo não significa que não podemos distinguir entre o dia e a noite”[15].
Um fato que foi amplamente divulgado pode auxiliar a discussão.
No último dia 05 de outubro, um vigia efetivado ateou fogo em uma creche onde trabalhava, causando a morte de diversas pessoas, entre elas várias crianças de 4 anos de idade e uma professora, Helley Abreu Batista, de 43 anos, que lutou contra o vigia e salvou diversas crianças, levando-os para fora da sala, enquanto seu próprio corpo estava em chamas.
Diante de episódios como este, como argumentar que não há diferença moral entre a atitude do vigia e a atitude da professora?
Como algum crítico poderá concordar que a ação do vigia não foi objetivamente errada enquanto o ato heróico da professora, objetivamente correto, mesmo custando-lhe a vida?
Como não assumir que o vigia agiu de modo condenável enquanto a professora agiu de modo absolutamente louvável?
Se não há diferença moral entre os dois, qual a razão do governo de Minas Gerais conceder à professora a Medalha da Inconfidência, a maior condecoração de Minas Gerais?
Aqui, pode-se tranquilamente distinguir entre o dia e a noite, mesmo que em outras situações, como quando se rouba alimento para alimentar famintos, ou se mente a fim de proteger a vida de alguém, podem gerar discussão sobre qual a atitude correta.
Ocorre, entretanto, que não havendo um padrão moral objetivo, não há motivos para discutir se alguma atitude é certa ou errada, a própria discussão dos casos limítrofes pressupõe uma moral absoluta, o que se discute é qual atitude melhor se adéqua a ela.
William Lane Craig comenta que ele tem “constatado que o material da ausência de valor moral objetivo em uma cosmovisão ateísta constitui uma apologética muito eficiente para universitários”[16], e certamente também o é para o público geral, ele prossegue: “apesar de afirmarem o relativismo da boca para fora, minha experiência diz que 95% dos estudantes podem ser rapidamente convencidos de que realmente existem valores morais objetivos”[17].
Mais adiante, na mesma obra, Craig faz mais uma crítica a crença relativista dos estudantes:
De um lado, [os estudantes] foram ensinados a acreditar que o relativismo moral é verdadeiro, que os valores e deveres morais são cultural e pessoalmente relativos, e que não temos o direito de julgar uns aos outros. Eles aprenderam a história da evolução e acreditam que a moralidade é subproduto da natureza e da cultura. Por outro lado, estão mergulhados no politicamente correto e nos valores que essa atitude produz. Por exemplo, o sentimento expresso acima de que ninguém tem o direito de julgar o próximo não tem como objetivo a negação da obrigação moral, e sim a afirmação da obrigação de ser tolerante e ter a mente aberta. A convicção é que é errado julgar o outro. Embora os estudantes falem muito em relativismo, eles não crêem de fato nisso e tampouco vivem de acordo com essa idéia[18].
Conclui-se, portanto, que a moral objetiva é verdadeira, existem coisas que são realmente corretas e existem coisas que são realmente erradas.
Mesmo que alguns estudantes e alguns críticos tentem negar esta realidade, sua argumentação sempre se encerra quando são confrontados com alguma injustiça que lhe cause um dano real.
Verifica-se, assim, a veracidade da premissa 1, de que valores morais objetivos só podem existir se também Deus existir, e a veracidade da premissa 2, de que os valores morais objetivos de fato existem, segue-se portanto, a conclusão: logo, Deus existe.
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