Semeando o Evangelho

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quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

UM CASAMENTO FELIZ IMPEDE A TRAIÇÃO?

Por Russell Moore

Sempre que alguém vê um casamento ser destruído por causa do adultério, uma das primeiras coisas que se ouve é: “Eu pensei que eles estavam tão felizes!” Muitas vezes, nós tendemos a falar que os casais dilacerados por um caso devem estar secretamente em turbulência por anos. Mais importante ainda, nós presumimos que aqueles que são casados e felizes estão protegidos de tal crise. Em um novo e provocador artigo, uma terapeuta de casamento argumenta contra esses pressupostos. Ela afirma que um relacionamento feliz não garante a quebra de votos. Receio que ela pode estar certa em algumas coisas.

Na edição de outubro de The Atlantic, Ester Perel olha novamente para o alcance que teve seus encontros de aconselhamento com casais em crise por infidelidade e observa que raramente há pessoas adúlteras que se enganam pelo desejo de fugir de um relacionamento lesivo. Muitas vezes, ela escreve, é exatamente o contrário. Ela encontra pessoas que desejam manter o casamento, do jeito que é, e na verdade não querem deixá-lo para o outro relacionamento.

De certa forma, o argumento de Perel é errado. Mais importante ainda, ela vê o adultério em termos quase que exclusivamente terapêuticos, e não morais. Por um lado, seu ponto maior tende a se alinhar exatamente com o que vi em muitos casos de intervenção pastoral em casamentos abalados pelo adultério. Os assuntos geralmente não são sobre infelicidade ou falta de sexo; há outras questões.

Perel observa que muitos dos “outros parceiros” escolhidos por cônjuges adúlteros não são, de modo algum, o tipo de pessoa que o marido traidor jamais desejaria em uma companheira de vida, observando o exemplo de uma mulher honrada que reconhece o clichê de seu caso com um motociclista tatuado. O que está em jogo não é a busca por um melhor amante ou uma melhor esposa, mas pelo “eu não-explorado”. Um caso não é necessariamente sobre “sexo”, ela afirma, mas sobre a “nostalgia”.

A pessoa infiel está muitas vezes buscando se reconectar com a pessoa que ele ou ela já era – muito antes da responsabilidade diária de ter que trabalhar e sustentar a família. Isso é especialmente verdadeiro na era das mídias sociais, em que, frequentemente, os assuntos começam por “encontrar” alguém do ensino médio, da faculdade ou de um local de trabalho anterior. A questão não é que a pessoa está “buscando por” essa conexão antiga, mas que a pessoa está “buscando ser” aquela pessoa novamente que a conexão antiga já conhecia. A questão é: “Eu ainda sou a pessoa que eu era naquela época?”

Nesse ponto, eu acredito que ela está certa. Um comportamento comum que encontrei em adúlteros é que a pessoa quase sempre busca recuperar o sentimento que teve na adolescência ou juventude. Por um curto período de tempo, a pessoa é arrastada para o drama romântico: “Eu te amo; você me ama”, sem a responsabilidade de quem está buscando o filho na escola, qual o dia de colocar o lixo na calçada, ou sobre o aluguel ou a prestação da casa para pagar. O amante secreto parece fazer a pessoa casada se sentir jovem, “viva” novamente, até que tudo desmorona. A pessoa geralmente não está procurando uma experiência sexual, mas uma realidade alternativa, em que ele ou ela fez escolhas diferentes.

Perel também está certa ao observar que, muitas vezes, nossas ideias e expectativas sobre o que faz um casamento “feliz” contribuem para o adultério. Dizemos para nós mesmos que esperamos que “aquela pessoa” atenda todas às necessidades de autorrealização. Abstemos-nos de ter relações sexuais com outros, ela observa, não por um senso de dever moral, mas porque encontramos a pessoa que nos fará felizes. Contudo, a felicidade em nossa imaginação não é como a verdadeira felicidade. Nós idealizamos um novo “Olimpo” em longo prazo com uma pessoa onde o amor permanecerá incondicional, a intimidade apaixonante, e o sexo extremamente excitante, ela escreve. E o trajeto continua ficando mais longo.

Os melhores casamentos (mais seguros e estáveis) que eu conheço não são tipicamente aqueles que parecem “felizes” no sentido de autorrealização. Em vez disso, eles são casamentos em que, muitas vezes, por meio do sofrimento profundo, o marido e a esposa são modelos de autossacrifício e cuidado um com o outro. Como Cristo e a igreja, a união de uma só carne é forjada, não através de exigências para o outro atender às necessidades, mas através de um sentido de propósito comum. Nesses casamentos saudáveis, um dos cônjuges não olha para o outro para encontrar uma identidade. Em vez disso, os cônjuges encontram uma identidade em Cristo. Minha vida não está em perigo quando em comparação com outros casamentos ou com minha juventude idealizada porque minha vida está escondida em Cristo. Isso dá a liberdade de amar. Em longo prazo, isso dá o tipo de liberdade em que existe a capacidade de se alegrar na esposa (ou no marido) da juventude.

Um casal, mesmo um casal cristão, não deve assumir que são imunes à infidelidade porque se amam, porque são felizes, ou porque o sexo é muito bom. O diabo sabe que a maneira de derrubar alguém não é através de uma esposa deficiente, mas através de um “eu deficiente”. Às vezes, quando buscamos o olhar de outro, não é do nosso parceiro que estamos nos afastando, mas da pessoa que nos tornamos, escreve Perel. Não estamos procurando por outro amor tanto quanto outra versão de nós mesmos.

É por isso que a Escritura nos alerta a ter cuidado com a nossa própria vulnerabilidade. É por isso que a Escritura diz aos maridos e esposas que mantenham a união sexual um com o outro; não é porque o sexo é um apetite que deve ser saciado, mas porque o sexo pode nos conectar ao outro, lembrando quem é que somos chamados a amar e a servir.

Isso requer, porém, que estejamos crucificados com Cristo, vivos nele. Isso exige que alguém considere ter uma responsabilidade para com alguém maior que até mesmo os votos matrimoniais. E demanda que o amor não seja um meio de tornar-se alguém melhor, mas um meio de derramar-se para o outro. Isso significa que é preciso ver que a arena do casamento não é um espelho, mas uma cruz.

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