As palavras “Imagem” e “Semelhança” aparecem juntas e Gênesis 1.26, mas não se referem a coisas diferentes, como, por muito tempo, creu-se na história da igreja.
As duas palavras, “Imagem” e “Semelhança”, são sinônimas e usadas indistintamente. Em Gn 1.26 aparecem as duas palavras, enquanto que em Gn 5.1 aparece somente a “Semelhança”, e em Gn 5.3 as duas novamente. Em Gn 9.6 aparece somente a palavra “Imagem”, como que indicando a ideia total do homem. Hoekema assevera que se estas palavras pretendessem descrever aspectos diferentes do ser humano, elas não seriam usadas, como as temos visto sendo usadas, isto é, quase indistintamente. Berkhof observa que a opinião corrente é que a palavra “Semelhança” foi acrescentada à imagem para expressar a ideia de que a imagem foi extraordinariamente parecida, uma imagem perfeita. A ideia é que, mediante a criação, aquilo que era arquetípico em Deus, se transformou em cópia no homem. Deus foi o original de onde se tirou a cópia que é o homem.
A palavra hebraica para “Imagem” é derivada de uma raiz que significa esculpir ou cortar. Portanto, podemos entender imagem como sendo o homem uma representação de Deus.
A palavra hebraica para “Semelhança” vem de uma raiz que significa ser igual. Alguém poderia dizer que em Gn 1.26 a palavra imagem é igual a semelhança, uma imagem que é igual à nossa. As duas palavras, juntas, dizem-nos que o homem é uma representação de Deus, que é igual a Deus em certos aspectos.
Gênesis 1.26 – Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança.
A relevância deste verso está no fato de Deus usar a expressão nós, uma expressão plural que anuncia o conselho triunitário da criação do homem. Isto, diz Hoekema, indica novamente a singularidade da criação do homem.
Neste tópico, vamos analisar a imagem do homem teologicamente, tanto quanto possível, baseado no ensino geral das Escrituras sobre o homem.
De que consiste o reflexo da imagem de Deus?
Reflexo 1
O homem reflete a imagem de Deus como um ser pessoal que é.
Nesse sentido ele se assemelha a Deus. Ele não pode viver isolado, como Deus não vive em solidão, mas sempre em relacionamento. Não existe a pessoalidade sem a noção de companheirismo. Foi por isso que Deus fez uma companheira para o homem, pois como pessoa que ele é, não poderia ficar só. Nessa capacidade de pessoalidade o homem reflete Aquele que o criou.
Reflexo 2
O homem reflete a imagem de Deus pela capacidade de domínio sobre as outras coisas criadas.
Esta é a indicação mais clara que a Escritura dá da imagem de Deus no homem.
Há divergência entre os teólogos sobre se o domínio da criação é parte essencial da imagem de Deus. Alguns dizem que o domínio sobre a criação é resultado do homem ser criado à imagem de Deus, enquanto que outros afirmam que isso é essencial ao conceito de imagem de Deus. Neste estudo, assumimos esta última posição.
O domínio do homem é parte essencial da sua natureza. A palavra “domínio” vem da palavra latina dominus, que quer dizer Senhor. O homem foi colocado como o senhor da terra. Nesse sentido, ele é o imitador de Deus, como o Senhor absoluto e supremo. Deus, quando estampou a Sua imagem no homem, colocou o senso de domínio sobre todas as obras da criação, e ordenou esse domínio ao homem. Obviamente, é um domínio subordinado, não absoluto como o do seu Senhor.
O texto de Gênesis 1 demonstra claramente esta verdade:
Gn 1.26-28 – Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves do céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou, e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céus, e sobre todo animal que rasteja pela terra.
Este texto de Gn 1.26-28 dá-nos uma ideia vaga, mas correspondente com a real, da imagem de Deus. E o domínio do homem sobre a criação, especialmente sobre os seres vivos.
Quando o homem exerce devidamente esse domínio, ele está se portando como Deus, refletindo o domínio que Deus tem sobre todas as coisas.
O Salmo 8 é uma linguagem poética imponente que descreve o conteúdo de Gn 1.26, mostrando o poder e o domínio do homem. O homem é um rei, e não um rei sem território; o mundo em derredor, com as obras da sabedoria criadora que o enchem, é o seu reino. Segundo este Salmo, o homem foi feito, por um pouco, menor do que Deus, e foi coroado de glória e de honra, pelo domínio sobre a criação (vv.5-9). A glória e honra do homem está, na verdade, no fato dele ser parecido com Deus no domínio sobre toda a criação. Nisto o homem reflete a imagem de Deus, como nenhuma outra criatura racional, mesmo os próprios seres celestiais.
Esse domínio é chamado por alguns teólogos de mandato cultural, isto é, a ordenação para o governo da terra no lugar de Deus, como representante de Deus.
Reflexo 3
O homem reflete a imagem de Deus por ter atributos que chamamos “essenciais” nele, sem os quais ele não poderia continuar sendo o que é: Poder intelectual, afeições naturais, liberdade moral, espiritualidade, imortalidade e o aspecto físico.
a) Por Poder Intelectual queremos dizer a faculdade do raciocínio, inteligência, e outras capacidades intelectivas em geral, que refletem aquilo que Deus tem.
Se o homem perde as suas capacidades intelectivas, ele deixa de ser o que é. A racionalidade é o aspecto distintivo dos outros seres criados. Estas capacidades foram afetadas, mas não extintas pela Queda.
b) Por Afeições Naturais queremos dizer as capacidades que o homem tem de ligar-se emocional e afetivamente a outros seres ou coisas. Deus tem essa capacidade e a passou para os seres humanos.
c) Por Liberdade Moral queremos a capacidade que o homem tem de fazer todas as coisas de acordo com os princípios morais que nele existem, de acordo com as leis que Deus implantou no seu coração (Rm 2). Os teólogos também dizem que a liberdade moral está vinculada à Libertas Naturae que o homem possui, independentemente de sua queda. Ele é capaz de agir sempre de acordo com a sua natureza, também chamada de liberdade de agência. Essa é a liberdade própria do ser humano, sem a qual ele não pode ser o que é.
d) Por Espiritualidade queremos dizer a natureza imaterial do homem, com a qual ele foi criado. A Escritura diz que o homem foi feito alma vivente (Gn 2.7). Deus é Espírito, e num certo sentido, o homem tem traços dessa espiritualidade, embora ele não seja completo sem o corpo.
e) Por Imortalidade queremos dizer que o homem, depois de criado, não mais cessa de existir. Não é somente a alma do homem que é imortal, mas o seu ser completo. A morte, não é para o corpo, mas para o homem. Morte é separação, não cessação de existência. A imortalidade é singular para Deus (1 Tm 6.16) no sentido de ser essencial para Ele. O homem a possui num caráter secundário e derivado. A imortalidade é um dom que o homem recebe de Deus.
f) Por Aspecto Físico queremos nos reportar ao texto de Gn 9.6 que diz: Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem. Um assassinato é a destruição do corpo, mas o texto diz que é a destruição da imagem de Deus. Portanto, quando alguém mata o ser humano, não somente ele tira a vida de uma pessoa, ele ofende o próprio Deus – o Deus que foi refletido naquele indivíduo. Tocar na imagem de Deus é tocar no próprio Deus; matar a imagem de Deus é fazer violência ao próprio Deus. Não podemos deduzir de Gn 9.6 que o Senhor Deus tenha uma aparência física, mas temos que entender que quando a Escritura fala do corpo, do aspecto físico, ela está falando do homem completo, que é a imagem de Deus. Hoekema diz com grande acerto que deveríamos dizer não somente que o homem tem a imagem de Deus, mas que o homem é a imagem de Deus. Do ponto de vista do Antigo Testamento, ser humano é carregar consigo a imagem de Deus.
Não podemos menosprezar a ideia do corpo, como sendo algo descartável, que não faz parte da imagem de Deus. Quando Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, o corpo estava incluso, porque o homem total é a imagem de Deus.
Reflexo 4
O homem reflete a imagem de Deus por ter atributos que consideramos “não essenciais” a ele.
A rigor, o que não é essencial, é aquilo que alguém pode não ter, e mesmo assim, continuar a ser o que é. Estes atributos dos quais vamos falar, o homem perdeu na queda e, contudo, continuou a ser homem. O homem não poderia perder as faculdades que o fazem ser o que é, mas perdeu as capacidades éticas de suas faculdades. Berkhof diz que o homem era, por natureza, dotado com aquela justiça original que é a glória culminante da imagem de Deus e vivia, consequentemente, num estado de santidade positiva. A perda dessa justiça significou a perda de algo que correspondia à verdadeira natureza do homem em seu estado ideal. O homem poderia perdê-la e continuar sendo homem, mas não poderia perdê-la e continuar sendo homem no seu sentido ideal. Em outras palavras, sua perda significaria a deterioração e ruína da natureza humana.
Autor: Heber Carlos de Campos
Trecho extraído de Antropologia Bíblica: Estudo do Homem e do Pecado
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