Por Haddon Robinson
É quando estamos aplicando as Escrituras que há a maior probabilidade de infiltração de erro.
Maior quantidade de erro é pregado na aplicação do que na exegese da Bíblia. Os pregadores querem ser fiéis às Escrituras, e tendo passado pelo seminário, aprenderam a exegese. Mas eles podem não ter aprendido firmemente como percorrer a jornada do texto bíblico ao mundo moderno. Eles saem do seminário e percebem que a questão do pregador é a aplicação: como você usa este texto e determina o que ele significa para a plateia?
Às vezes, aplicamos o texto de maneiras que fazem o autor bíblico dizer: “Espere um pouco, isso é um abuso do que eu disse”. Essa é a heresia de uma boa verdade aplicada da maneira errada.
Por exemplo, ouvi alguém pregar um sermão de Rute sobre como lidar com sogros, sogras, genros e noras. Bem, é verdade que em Rute você tem sogros, sogras, genros e noras. O problema é que o livro de Rute não foi escrito para dar conselhos sobre como resolver problemas relacionados a sogros, sogras, genros e noras. Esse sermão teve várias aplicações práticas, mas elas não vieram das Escrituras.
Mas qual é o problema, você pode perguntar, com pregar algo verdadeiro e útil, mesmo se isso não for o ponto central de seu texto ou não for o que o autor tinha em mente? Bem, quando pregamos a Bíblia, pregamos com autoridade bíblica. Como Agostinho disse, o que a Bíblia diz, Deus diz. Portanto, estamos aplicando, digamos, à questão de sogros e genros, a plena autoridade de Deus. Uma pessoa ouvindo o sermão pensa: Se eu não lido com minha sogra deste modo, estou desobedecendo a Deus. Isso é violentar a Bíblia. Você está dizendo o que a Bíblia não diz. Por meio desse processo, você mina as Escrituras. No final das contas, as pessoas passam a acreditar que qualquer coisa com um toque bíblico é o que Deus diz.
O efeito, em longo prazo, é que pregamos mitologia. O mito tem um elemento de verdade com uma grande quantidade de vento, e as pessoas tendem a viver no vento. Elas vivem com as implicações das implicações e, depois, descobrem que o que achavam que Deus prometeu ele não prometeu.
Há uma semana, conversei com uma jovem senhora cujo marido a havia abandonado. Ela disse: “Eu tentei ser submissa. A Bíblia não diz que se uma pessoa se submete, vai ter um casamento feliz e bem-sucedido?”.
“Não”, disse eu, “a Bíblia não diz isso”.
Ela retrucou: “Eu fui a seminários e ouvi isso”.
“O que a Bíblia diz é que você tem sua responsabilidade como esposa. Um marido também tem a responsabilidade dele. Mas o melhor que você pode conseguir é um casamento nota 7. Não há garantia de que você terá um casamento nota 10”.
A ponte difícil do então para o agora
Na aplicação, tentamos usar o que acreditamos ser a verdade do Deus eterno, dada em uma época, lugar e situação particulares e aplicá-la a pessoas no mundo moderno, que vivem em outra época, outro lugar e em situações bem diferentes. Isso é mais difícil do que parece.
A Bíblia é específica, mas minha platéia é geral. Por exemplo, um homem ouvindo um sermão pode se identificar com Davi cometendo adultério com Bate-Seba, mas ele não é um rei e não comanda exércitos. Precisamos usar esse texto que é historicamente específico e determinar como o Deus vivo fala a partir dele para pessoas hoje.
Pregadores podem realizar essa jornada de diferentes maneiras. Uma é levar o texto bíblico direto para a situação moderna. Em alguns casos, isso funciona bem. Por exemplo, Jesus diz: “Amem os seus inimigos”. Digo para os meus ouvintes: “Você tem inimigos? Ame-os”.
Mas, a seguir, viro a página, e Jesus diz: “venda tudo o que você possui e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me”. Hesito em aplicar isso diretamente porque penso: Se todo mundo fizer isso, teremos problemas, grandes problemas.
Alguns textos parecem que podem se aplicar diretamente à minha plateia contemporânea, mas não necessariamente. Preciso conhecer algo a respeito das circunstâncias tanto de meu texto como da minha platéia. Por exemplo, posso fazer a pergunta, como muitos cristãos fizeram no século passado: “A escravidão é errada?”. Vou até Paulo, que diz que escravos devem obedecer a seus senhores. Mas quando entro nesse mundo, descubro que ele não está necessariamente respondendo a minhas questões sobre o século XIX nos Estados Unidos, porque a escravidão de que Paulo fala não é a escravidão que nós conhecemos no século XIX.
No século 1, as pessoas se vendiam à escravidão porque estavam economicamente em melhor situação como escravos, protegidas por seus donos, do que quando eram livres. A maioria dos escravos era libertada com 30 anos de idade, porque era economicamente difícil manter escravos naqueles dias. A lei romana dizia que um dono de escravos não podia lidar com os escravos como bem entendesse. E se você andasse pelas ruas de Roma, não conseguia distinguir os escravos dos homens livres pela cor de sua pele. Se eu não percebo que a situação de Paulo e a minha são diferentes, posso aplicar a recomendação de Paulo sobre escravos de um modo que nunca foi a intenção do autor.
Outra dificuldade é que Paulo fala a pessoas que não posso ver nem ouvir. É como ouvir somente um lado de uma conversa telefônica. Penso que sei o que a outra pessoa está dizendo, mas não posso ter certeza. Posso apenas conjecturar a conversa completa a partir do que ouço uma pessoa dizendo. As perguntas que o autor bíblico responde não são necessariamente as minhas perguntas.
Há sinais que podem indicar que estamos confundindo as perguntas. Devemos lembrar que não podemos fazer um texto dizer o que nunca quis dizer. Isto é, quando Paulo escreveu às pessoas de seus dias, ele esperava que elas entendessem o que queria dizer. Por exemplo, temos umas 30 explicações diferentes para o que Paulo quis dizer quando escreveu aos coríntios sobre o batismo pelos mortos. Mas as pessoas que leram aquela carta pela primeira vez não disseram: “O que será que ele quer dizer com isso?”. Elas podem ter tido perguntas posteriores, mas o significado do assunto estava claro para elas.
Não posso fazer essa passagem dizer algo hoje em dia que não quis dizer em princípio no mundo daquele tempo. É por isso que preciso fazer a exegese. Preciso ser honesto com o texto antes de poder ir até o mundo contemporâneo.
Escada de abstração
Imagino uma “escada de abstração” que vai lá de antigamente, do mundo bíblico, e atravessa os séculos e toca o cenário moderno. Preciso estar consciente de como atravesso essa “escada de abstração”. Quero me certificar de que a situação bíblica e a situação atual são análogas nos pontos em que as faço conectar. Preciso ter certeza de que o centro da analogia conecta, não os extremos.
Às vezes, enquanto trabalho com um texto, preciso subir a escada de abstração até que atinja a intenção do texto. Por exemplo, Deuteronômio diz: “Não cozinhem o cabrito no leite da própria mãe”. Primeiro, você precisa perguntar: “Do que se trata aqui?”. Aplicando esse texto de forma literal, você pode pensar: Se eu tenho um cabrito e quero cozinhá-lo no leite de sua mãe para o jantar hoje à noite, eu deveria pensar duas vezes antes de fazer isso. Mas sabemos que os pagãos faziam isso quando adoravam seus ídolos. Portanto, o que você tem aqui não é uma proibição contra cozinhar um cabrito no leite de sua mãe, mas contra estar envolvido na idolatria que rodeava o povo de Deus ou contra trazer as práticas deles à sua religião.
Se esse é o caso, não é bom o pregador aplicar esse texto diretamente. Você precisa subir a escada de abstração alguns degraus até atingir o princípio: você não deve se associar ao louvor idólatra, nem mesmo de formas que não parecem ter associação direta com ir fisicamente até o ídolo.
Digamos que você saiba que uma passagem não pode atravessar essa escada diretamente. O que você poderia fazer?
Abstraia até chegar a Deus. Uma coisa que sempre faço quando subo a escada de abstração é abstrair até Deus. Toda passagem tem uma visão de Deus, do Senhor como Criador ou Sustentador.
Encontre o fator de depravação. Em seguida, pergunto: “Qual é o fator de depravação? O que na humanidade se rebela contra a visão de Deus?”.
Essas duas primeiras perguntas são um indício útil na aplicação porque Deus permanece o mesmo, e a depravação humana permanece a mesma. Nossa depravação pode parecer diferente, mas é o mesmo orgulho, a mesma obstinação e a mesma desobediência.
Considere 1 Coríntios 8, em que Paulo trata do tema de comer carne oferecida aos ídolos. A visão de Deus: Ele é nosso Redentor. Portanto, Paulo argumenta: não comerei carne, porque firo a consciência fraca de meu irmão e, portanto, peco contra Cristo, que o redimiu. O fator de depravação: As pessoas querem seus direitos, assim não se importam com o fato de que Cristo morreu por seu irmão.
O Espírito Santo e a Palavra
O Espírito Santo tem um papel direto no processo de aplicar o texto à vida do ouvinte. O Espírito Santo responde à Palavra. Se sou fiel às Escrituras, dou ao Espírito Santo algo para trabalhar que ele não tem se estiver pregando para a revista Seleções.
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