Por John Stott
Os rabinos não só pendiam para a permissividade em sua atitude para com o divórcio, mas também eram permissivos em seus ensinamentos sobre o juramento. É outro exemplo de como se desviaram das Escrituras do Velho Testamento, a fim de as tornarem mais fáceis de serem obedecidas. Precisamos primeiro examinar a lei mosaica, depois a distorção farisaica e, finalmente, as verdadeiras aplicações da lei sobre as quais Jesus insistiu.
Também ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas cumprirás rigorosamente para com o Senhor os teus juramentos.
Esta não é uma citação exata de nenhuma lei de Moisés. Ao mesmo tempo, não se trata de um resumo impreciso de diversos preceitos do Velho Testamento, de preceitos que exigem das pessoas o cumprimento dos votos que fizeram. E tais votos são, estritamente falando, “juramentos” nos quais a pessoa invoca a Deus como testemunha do seu voto para puni-lo se não o cumprir. Moisés frequentemente parecia enfatizar o perigo do juramento falso e o dever de cumprir os votos feitos ao Senhor. Eis alguns exemplos:
“Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão” (Êx 20:7, o terceiro mandamento). “Não jurareis falso pelo meu nome, pois profanaríeis o nome do vosso Deus” (Lv 19:12). “Quando um homem fizer voto ao Senhor, não violará a sua palavra” (Nm 30:2). “Quando fizeres algum voto ao Senhor teu Deus, não tardarás em cumpri-lo” (Dt 23:21).
Até mesmo uma leitura superficial destes mandamentos torna clara a sua intenção. Proíbem o juramento falso ou perjúrio, isto é, fazer um voto e, depois, quebrá-lo.
Mas os fariseus casuístas trabalhavam sobre estas proibições incômodas e tentavam limitá-las. Afastavam a atenção das pessoas do voto propriamente dito e da necessidade de cumpri-lo, destacando a fórmula usada no voto. Argumentavam que o que a lei realmente proibia não era tomar o nome do Senhor em vão, mas tomar o nome do Senhor em vão. “Jurar falsamente”, eles concluíram, significava profanação (um uso profano do nome divino), não perjúrio (empenhar a palavra desonestamente). Por isso, desenvolveram regras elaboradas para fazer votos. Fizeram listas de quais fórmulas eram permissíveis, e acrescentaram que apenas aquelas fórmulas que incluíam o nome de Deus tornavam o voto obrigatório. Ninguém precisa ser tão cuidadoso, diziam, sobre a guarda de votos nos quais o nome de Deus não fora usado.
Jesus expressou o seu desprezo por esse tipo de sofisticaria num dos “ais” contra os fariseus (“guias cegos”, ele os chamou) que Mateus registrou mais tarde (23:16-22):
Ai de vós, guias cegos, que dizeis: Quem jurar pelo santuário, isso é nada; mas se alguém jurar pelo ouro do santuário, fica obrigado pelo que jurou. Insensatos e cegos! Pois, qual é maior: o ouro, ou o santuário que santifica o ouro? E dizeis: Quem jurar pelo altar, isso é nada; quem, porém, jurar pela oferta que está sobre o altar, fica obrigado pelo que jurou. Cegos! Pois, qual é maior: a oferta, ou o altar que santifica a oferta? Portanto, quem jurar pelo altar, jura por ele e por tudo o que sobre ele está. Quem jurar pelo santuário, jura por ele e por aquele que nele habita; e quem jurar pelo céu, jura pelo trono de Deus e por aquele que no trono está sentado.
Os ensinamentos de nosso Senhor no Sermão do Monte são semelhantes. A segunda parte de sua antítese, na qual ele apresenta os seus ensinamentos em oposição aos dos rabinos, diz o seguinte:
Mateus 5:34-37 – Eu, porém, vos digo: De modo algum jureis: Nem pelo céu, por ser o trono de Deus; nem pela terra, por ser estrado de seus pés; nem por Jerusalém, por ser cidade do grande Rei; nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto. Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não. O que disto passar, vem do maligno.
Ele começa argumentando que a pergunta sobre a fórmula usada para se fazer votos é totalmente irrelevante e, particularmente, que a diferença feita pelos fariseus entre a fórmula que menciona Deus e aquelas que não o mencionam é inteiramente artificial. Contudo, por mais que vocês tentem, disse Jesus, não podem evitar alguma referência a Deus, pois o mundo todo é mundo de Deus e vocês não O podem eliminar, de modo algum. Se vocês jurarem pelo “céu”, é o trono de Deus; se pela “terra”, é o estrado dos seus pés; se por “Jerusalém”, é a sua cidade, cidade do grande Rei. Se vocês jurarem por sua cabeça, na verdade é sua no sentido de não pertencer a qualquer outra pessoa, mas ainda assim é criação de Deus e está sob o seu controle. Você não pode sequer mudar a cor natural de um simples fio de cabelo, preto na juventude e branco na velhice.
Portanto, sendo irrelevante o enunciado preciso de uma fórmula para fazer votos, então a preocupação com as fórmulas não é ponto importante da lei. Na verdade, considerando que todo aquele que faz um voto deve cumpri-lo (seja qual for a fórmula usada para sua confirmação), falando estritamente todas as fórmulas são supérfluas, pois a fórmula nada acrescenta à solenidade do voto. Um voto é obrigatório, independentemente da fórmula utilizada. Sendo assim, a verdadeira implicação da lei é que devemos cumprir as nossas promessas e ser pessoas de palavra. Então os votos se tornam desnecessários. De modo algum jureis (v. 34), seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não (v. 37). Como diria mais tarde o apóstolo Tiago: Seja o vosso sim, sim, e o vosso não, não. E o que disto passar, Jesus acrescentou, vem do maligno, tanto da maldade dos nossos corações com o seu grande engano, como do maligno, que Jesus descreveu como “mentiroso e pai da mentira”. Assim como o divórcio é devido à dureza do coração humano, os juramentos se devem à falsidade humana. Ambos foram permitidos por lei; nenhum foi ordenado; nem seriam necessários.
Duas perguntas podem surgir em nossas mentes, a esta altura. Primeira, se os juramentos são proibidos, por que Deus mesmo usou juramentos nas Escrituras? Por que, por exemplo, ele disse a Abraão: “Jurei por mim mesmo que deveras te abençoarei…”? A isto creio que devemos responder que o propósito dos votos divinos não foi aumentar a sua credibilidade (considerando que ‘Deus não é homem para que minta’), mas sim, despertar e confirmar a nossa fé. A falha que levou Deus a condescender com o nível humano não se deve a qualquer falsidade da parte dele, mas da nossa incredulidade.
Em segundo lugar, se os juramentos ficam proibidos, esta proibição é absoluta? Por exemplo, deveriam os cristãos, a fim de serem coerentes em sua obediência, abster-se de jurar em alguma declaração juramentada diante de um oficial da justiça, e testemunhar sob juramento num tribunal legal? Os anabatistas adotavam esta linha de comportamento, no século dezesseis, e a maioria dos quakers ainda o faz hoje em dia. Embora admiremos o seu desejo de não transigir, surge a questão: tal interpretação não é excessivamente literal? Afinal nem mesmo Jesus, Mateus registra mais tarde, se recusou a responder quando o principal dos sacerdotes o colocou sob juramento, dizendo: “Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus.” Jesus confessou que era e que, mais tarde, eles o veriam entronizado à direita de Deus. O que Jesus enfatizou em seus ensinamentos foi que os homens honestos não precisam recorrer a juramentos; não que eles devam recusar-se a prestar juramento, se tal coisa for exigida por alguma autoridade externa.
A aplicação moderna não é difícil de se achar, pois os ensinamentos de Jesus são eternos. Jurar (isto é, assumir votos) é realmente uma confissão patética de nossa própria desonestidade. Por que achamos necessário introduzir nossas promessas com alguma fórmula tremenda: “Eu juro pelo arcanjo Miguel e todo o exército dos céus”, ou, “Eu juro pela Santa Bíblia”? O único motivo é que sabemos que as nossas simples palavras não são dignas de crédito. Por isso, tentamos induzir as pessoas a acreditarem em nós, acrescentando um juramento solene. Interessante é notar que os essênios (uma seita judaica contemporânea de Jesus) tinham altos padrões neste ponto. Josefo escreveu sobre eles:
São conhecidos pela fidelidade e são ministros da paz. Qualquer coisa que digam é mais firme que um juramento. Mas eles evitam o juramento e o consideram pior que o perjúrio, pois dizem que aquele em quem não se pode crer sem (jurar por) Deus, já está condenado.
O mesmo acontece com todas as formas de exagero, hipérboles e o uso de superlativos. Nós não nos contentamos em dizer que passamos horas agradáveis; temos de descrevê-las como “fantásticas” ou “fabulosas” ou até mesmo “fantabulosas” ou qualquer outra invenção. Mas, quanto mais recorremos a tais expressões, mais desvalorizamos a linguagem e as promessas humanas. Os cristãos deveriam dizer o que pretendem e pretender o que dizem. Nosso “sim” e “não” sem adornos deveria ser o suficiente. E quando um monossílabo é suficiente, por que perder tempo e fôlego acrescentando algo mais?
Trecho extraído do livro Contracultura Cristã: A mensagem do Sermão do Monte.
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