Semeando o Evangelho

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Semear a Verdade e o Amor de Deus

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

COMO SABER A DIFERENÇA ENTRE O VERDADEIRO E O FALSO MILAGRE?

Todo milagre que não esteja casado com a integridade moral de seu agente deve ser visto com extrema desconfiança.

Louis Monden

A história de Moisés e dos magos tem mais uma mensagem que diz respeito aos sinais e maravilhas: é necessário detectar a diferença entre a mão de Deus e os chifres do diabo. O princípio vem da capacidade dos magos do faraó de imitar de modo satisfatório os três primeiros atos miraculosos de Moisés. Não sabemos se eles realmente transformaram uma vara em cobra, água em sangue e da terra produziram rãs, ou se os poderes que detinham eram ilusórios. De todo modo, o efeito foi o mesmo. Aos olhos dos observadores da corte do faraó, aquilo parecia mostrar a atividade de duas forças opostas na operação de prodígios. Não fica evidente, em princípio, qual deles foi o mais impressionante.342 A história está repleta de relatos semelhantes sobre a infinita capacidade que o homem tem de enganar e de ser enganado no campo espiritual.343

A questão do engano espiritual faz-se pressentir desde o início dessa análise dos sinais e maravilhas. O que existe nos fenômenos espirituais que naturalmente favorece a confusão e o erro? Há várias razões, e uma das principais é a tendência humana de seguir os ensinos mais absurdos e egoístas. Entretanto, há uma resposta mais\específica. O erro em questões espirituais torna-se possível, porque não percebemos a causa ou a origem das manifestações espirituais.344 O aspecto externo de um milagre não apresenta nenhum indício de sua origem. Vemos os efeitos, mas não a causa.345 Isso pode ser ilustrado por uma queimadura provocada pelo sol. Se ficamos muito tempo expostos ao sol na praia, nossa pele começa a queimar-se por causa da radiação ultravioleta que emana do sol. Não enxergamos esses raios, pois eles estão fora do espectro registrado por nosso olho. Mas podemos ver o efeito deles – o bronzeado ou a queimadura. Jesus referiu-se ao mesmo assunto, ilustrando-o com o vento. Da mesma forma que o vento não pode ser predito, controlado ou visto, mas apenas seus efeitos são sentidos, assim também a obra do Espírito (Jo 3.8).

Se a origem dos fenômenos espirituais não nos estivesse encoberta, não haveria enganos no campo espiritual nem necessidade de estarmos atentos. Mas, nesse nosso mundo de agora, é necessário que provemos os espíritos (1 Jo 4.1). O primeiro passo nesse teste é a identificação das prováveis fontes do engodo espiritual. Ao contrário do que se prega hoje, nem todo engano deve ser atribuído ao diabo. Segundo Lutero, o homem enfrenta três inimigos: o mundo, a carne e o diabo.346 O mundo é enganoso, porque é finito e decaído. Ele induz o homem ao pecado e engana-o, fazendo-o acreditar que “o que é, está certo”. A carne é enganosa, porque o homem é uma criatura com a tendência inata de se opor a Deus. O engano provocado pelo homem pode ser deliberado e dirigido para fins egoístas (2 Pe 3.16), mas  também é possível que aqueles que o provocam estejam igualmente enganados (Mt 7.21). De qualquer forma, o resultado é o mesmo: um regimento impressionante de religiões mundiais, religiões regionais, religiões raciais, religiões espíritas e grupos de hereges que alegam estar com a verdade e possuir poder.347

Por fim, o homem recebe a oposição do diabo. Desde o dia em que se achou iniquidade em Satanás (Ez 28.15), existe uma mente inteligente que se opõe à vontade de Deus. Na história nunca houve época em que fosse possível não ser enganado por aquele que desde o princípio se opôs a Deus. Como avaliamos esse opositor? Em primeiro lugar, ele não está em pé de igualdade com Deus. Nem deve ele receber o crédito por toda insensatez e pecaminosidade reinantes no mundo.348 Entretanto, em 2 Tessalonicenses 2.9, 10, as mesmas palavras que se usam na descrição dos verdadeiros sinais e maravilhas (dunamis, semeion e teras) são aplicadas à obra de Satanás.349 Entre seus poderes encontram-se insinuações (Mt 16.23), visões e sonhos (Dt 13.1-3; 1 Rs 22.22; Is 38.7; Ez 13.7; Zc 13.4), distúrbios do comportamento físico e emocional (Mt 12.22; Lc  8.27-29), clarividência  supranormal  (At  16.16,  17), força  física  (Mt  5.3), conceitos   filosóficos   e   teológicos   (Jo   8.44; 1  Tm  4.1), desorientação e cegueira (2 Co 4.4; 2 Ts 2.9, 10; Tt 3.3; Hb 3.13), incentivo ao pecado (Gn 3.1;  1 Cr 21.10;  Mt 4.1 ss.; 16.22, 23), sinais  e maravilhas  (At  13.6-12; 2 Ts 2.8, 9) e escravidão ao pecado (1 Pe 5.8; 2 Tm 2.26). Por causa desses poderes de longo alcance, tanto no Antigo Testamento350 quanto no Novo351 o cristão é exortado a se afastar da magia, da bruxaria, da astrologia e do espiritismo.

Não seria correto deixar a impressão de que, diante de seu velho inimigo, o homem está perdido ou não é responsável pelo que acontece. Pelo contrário, a Bíblia ensina que o homem é capaz de discernir entre o certo e o errado, mesmo em face do engano.352 Os magos do faraó foram capazes de perceber o “dedo de Deus”. O cristão tem condições de se orientar pela opinião predominante (Pv 2.1-6), pela sensibilidade que nasce juntamente com a maturidade espiritual (Hb 5.14) e, acima de tudo, pelo conhecimento das Escrituras (2 Pe 1.19; Hb 2.1), ao provar os espíritos ou os sinais e maravilhas que eles produzem, a fim de verificar se estão de acordo com as características da piedfde.353 Assim, o propósito deste capítulo é ponderar as características dos milagres falsos e verdadeiros. Todo milagre ou manifestação espiritual dá-se num ambiente divisível em pelo menos seis aspectos: 1) o milagre; 2) o agente do milagre; 3) a mensagem; 4) o clima; 5) o(s) beneficiário(s); 6) os resultados.354

O milagre

O primeiro ponto a ser levado em conta quando se considera uma maravilha é que sua operação não significa que o agente do milagre ou sua mensagem sejam legítimos. Há todo tipo de grupo que alega possuir poder de operar milagres e curas, e alguns aparentemente o possuem. Portanto, temos de concluir que, em si mesmo, um milagre não pode ser considerado mais do que uma prova de que alguma coisa incomum aconteceu.355

Isso quer dizer que certa dose de ceticismo faz bem quando se questionam relatos de milagres. Um milagre ou manifestação do verdadeiro Espírito não oferecerão resistência ao escrutínio. Não haverá medo do exame feito pelas pessoas implicadas, pois a obra de Deus sempre gera luz e vida e nunca tenta ocultar-se (Mt 5.14-16). Contrapondo-se a isso, o falso milagre ou a manifestação não serão favoráveis a essa exposição e não desejarão passar pela prova.356 Os magos do faraó conseguiram imitar alguns milagres de Moisés, mas nunca estariam dispostos a explicar seus segredos a alguma pessoa que os averiguasse.357

E quanto à qualidade do milagre? Há alguma coisa que possamos depreender dela? Constatamos no capítulo 2 que os protestantes costumam criticar as manifestações que hoje acontecem entre os pentecostais, por se tratar de milagres de qualidade inferior aos milagres da Bíblia. Todavia, conforme observamos no capítulo 3, com exceção da ala radical, hoje não há quem alegue que seus milagres têm natureza apostólica. Admite-se que os sinais e maravilhas hoje operados na igreja são de qualidade inferior aos da Bíblia. Entretanto, isso não permite que se aceitem sinais e maravilhas absurdos como os das histórias encontradas na literatura apócrifa dos primeiros séculos. Contos fantásticos semelhantes aos de heróis de histórias em quadrinhos não valem mais hoje do que valiam 18 séculos atrás.358 Minha opinião é que a forma pela qual Cristo e os apóstolos realizaram os sinais e maravilhas, ou seja, objetiva e sem sensacionalismo ou exibicionismo, ainda constitui o padrão para nossos dias.359

O agente do milagre

A qualidade mais importante no agente do milagre não é sua eloquência, nem seu carisma, nem seu bom desempenho. É sua integridade. Sua vida deve ser coerente com a vida de um servo de Deus.360 Segundo Louis Monden, “todo milagre que não esteja casado com a integridade moral de seu agente deve ser visto com extrema desconfiança”.361 Naturalmente, o vínculo entre santidade de vida e poderes supranormais nem sempre é claro, pois quase nunca se conhece o comportamento do agente em sua vida íntima. Há casos em que o julgamento revela-se difícil, pois o líder pode ser totalmente sincero, mas ainda assim estar enganado a respeito do que está fazendo e dos poderes implicados (Mt 7.21 ss.;  2  Tm  3.13).  É possível também que, em outros casos, o líder seja um hipócrita egoísta que finge ser aquilo que não é (Mt 7.24). Não podemos julgar com base naquilo que não conhecemos. Mas devemos acautelar-nos contra todo operador de milagres conhecido por sua vida imoral e, creio eu, que constantemente toque em assuntos de dinheiro e de ofertas.

A mensagem

Nas igrejas de nossos dias, ouve-se falar muito do poder que o diabo tem de impedir bênçãos financeiras e de causar enfermidades e doenças, mas quase nada do poder que ele tem para enganar no campo das doutrinas ou com visões e palavras de revelação. Conforme declarou Pascal, os milagres são o teste para a doutrina, e a doutrina é o teste para os milagres.362 O maior equívoco que um cristão pode cometer é pensar que não corre o perigo de cair em erro doutrinário, por estar na igreja ou por estar ouvindo o ensino das Escrituras. Quando Satanás tentou Jesus, fazendo uso das palavras das próprias Escrituras, ficou bem claro que não se lhe proíbe a utilização da Bíblia para seus próprios fins. (De fato, Satanás foi ousado o suficiente para tomar Jesus e levá-lo daqui para lá, enquanto o tentava [veja Mt 4].) Em toda a Bíblia, as advertências mais veementes contra o erro doutrinário foram feitas pelo próprio Cristo em seus pronunciamentos registrados em Mateus 7 e 24. É provável que elas estivessem baseadas em sua experiência com Satanás no deserto.363

É possível que ainda hoje Deus, às vezes, oriente as pessoas por meio de visões e de sonhos como no passado. Mas, repetindo um pensamento-chave do capítulo 5, essa é uma coisa que o homem não deve buscar. Elas acontecem rigorosamente de acordo com a escolha soberana de Deus. Isso torna-se  mais grave  quando  se trata  do pastor  ou do líder da igreja que, em vez das Escrituras, apóia-se em visões para conduzir o rebanho. Esses líderes olham para a Bíblia na condição de Palavra de Deus, mas referem-se exclusiva­ mente a sonhos e visões que tiveram, nos quais Deus lhes fala.  Na época de Jeremias não faltavam pessoas que alegassem ter recebido visões do futuro das mãos do próprio Deus. Sobre isso, Deus falou o seguinte a Jeremias: “Os profetas profetizam mentiras em meu nome, nunca os enviei, nem lhes dei ordem, nem lhes falei; visão falsa, adivinhação, vaidade e o engano do seu íntimo é o que eles vos profetizam” (Jr 14.14). Observe-se que a fonte dessas visões não é a astúcia de algum ser maligno; na maioria das vezes, a imaginação humana basta para oferecer às pessoas aquilo que desejam ouvir. Não há nada mais desolador do que ver uma pessoa respeitada como líder religioso afirmar que recebeu uma revelação de Deus, quando o que realmente está atuando é sua própria imaginação. Não devemos buscar visões, mas a compreensão da vontade de Deus por intermédio de sua Palavra.364

Assim, a mensagem que acompanha os sinais e maravilhas deve estar de acordo com a verdade do cristianismo.365 Nunca a natureza humana nem o diabo despertarão a consciência para o pecado e para o dia do juízo, nem exaltarão Jesus Cristo, nem confirmarão a fé no fato de que Jesus é o Salvador dos pecadores, nem incentivarão o uso das Escrituras,  nem  estimularão um espírito de humildade, nem inspirarão o verdadeiro amor a Deus.366 Todavia, acaute­lemo-nos contra as recomendações de experiências ou de revelações superiores.367Cuidado com afirmações de santidade excepcional.368 Cuidado com declarações feitas com zelo marcado por falsidade, orgulho ou amargura.369 Cuidado com o pastor ou o líder que fala muito sobre sua vida, sobre seu ministério, sobre seu trabalho, sobre seus objetivos, sobre seus desejos, e quase nada sobre Cristo e sua igreja.

Cuidado com um cristianismo destituído da cruz, um cristianismo que gira em torno do sucesso e não do serviço e da adoração.370 Cuidado com as igrejas que se guiam por visões e não pela pregação e pelo ensino da Palavra.371 Engana-se quem acredita que, nos últimos dias, Deus pretende orientar seu povo por meio de revelações diretas.372

O clima

O clima no qual ocorre um sinal ou maravilha pode revelar alguma coisa sobre a origem do milagre.373 Seis características específicas identificam-se como sinais de que alguma coisa está errada: 1) atmosfera conturbada ou não saudável; 2) indícios de trapaça, de práticas supersticiosas, de magia, de ilusão ou de charlatanismo; 3) ambiente que dê a impressão de confusão, de incerteza ou de apreensão;374 4) atmosfera de sensualidade, em que se insinue alguma coisa imoral ou indecente (Ef 2.2, 3, 7);375 5) clima de sensacionalismo;376 6) toda situação em que se ressalte demais o dinheiro ou em que seu uso seja continuamente inadequado.377 Lembre-se de que as circunstâncias em que ocorre um falso milagre nem sempre serão de blasfêmia ou de revolta declarada. Nem haverá falta de sinceridade, pois o erro sempre se apresenta como a mais pura doutrina ou prática. Pelo contrário, o clima será quase sempre de um cristianismo distorcido ou diluído por práticas supersticiosas, por ritos de magia e por anseio por maravilhas.378

Em contraposição, o verdadeiro sinal ou maravilha acontecerá normalmente num clima de oração e de louvor, onde o Senhor é convidado a estar presente e as pessoas estão cheias de fé em Deus.379

Os beneficiários

É mais provável que os beneficiários de uma verdadeira atuação de Deus ou de uma manifestação do Espírito sejam pessoas com fé solidamente alicerçada e que confiam em Deus, ao passo que os beneficiários do falso milagre quase sempre se revelam ingênuos e faltos de discernimento. A astúcia do mal conta com a falta de conhecimento da verdadeira espiritualidade, a fim de convencer os desatentos, os ingênuos, os insensatos.380 A falta de conhecimento  e  a ingenuidade às quais me refiro têm pouco que ver com instrução escolar. O cristão maduro que procura viver servindo a Deus desenvolverá sensibilidade diante das coisas do Espírito e não se deixará levar facilmente pelo erro. Essa sensibilidade é uma percepção que atua sem reflexão consciente (embora seja aguçada pelo estudo). Por isso, até a pessoa menos preparada no aspecto dos estudos pode ter um gosto apurado em questões espirituais, juntamente com uma forte disposição para segui-las.381

Os resultados

O efeito imediato de um verdadeiro sinal ou maravilha será o louvor a Deus, quase sempre casado com sentimentos de incapacidade e de indignidade.382 As consequências de longo prazo serão percebidas nos frutos e nos atos  do fiel,  e  por eles é que se avalia a verdadeira  espiritualidade. 383 Edwards faz o seguinte comentário: “Não conheço nenhuma outra orientação ou conselho que Cristo tenha-nos dado de forma mais clara do que as regras que ele nos ofereceu para nossa avaliação da sinceridade das outras pessoas. Ele afirma que devemos julgar a árvore principalmente de acordo com seus frutos”.384 Com certeza, ele tinha razão. Mesmo que nas Escrituras voltemos até Moisés, já ali se encontra ênfase no fruto: “Fareis segundo os meus juízos, e os meus estatutos guardareis, para andardes neles” (Lv 18.4); também em Samuel: “… o obedecer é melhor do que o sacrificar”; ou mais adiante, na última revelação em Cristo: “Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7.16, 20; 12.33). Observe-se que Cristo não disse que os homens seriam conhecidos por suas manifestações de fé, pela profundidade dos sentimentos ou pela intensidade de suas experiências religiosas. Antes, o que realmente importa é aquilo que se produz no serviço a Deus.385

A forma pela qual se aplicam essas regras varia grandemente de pessoa para pessoa. Um protestante poderá utilizar as características acima para julgar que determinado pregador está abaixo do nível mínimo de aceitação. Um pentecostal poderia aplicar os mesmos critérios e acolher o mesmo pregador como servo de Deus. Esse elemento subjetivo ressalta a necessidade de humildade em todas as questões relativas ao discernimento espiritual. Não temos capacidade para determinar quem faz e quem não faz parte do reino de Deus.386 Ao contrário de Deus, é possível que olhemos apenas para o fenômeno aparente e não para o coração (1 Sm 16.7; Is 11.3) e, por isso, sempre seremos susceptíveis de erro.387 Muitas vezes, a ilusão humana, o engano satânico e a verdadeira obra do Espírito encontram-se tão misturados, que não se consegue separá-los. A melhor postura sempre será a de ter uma mente humilde e de relutar em julgar quando não é necessário. Deus oferece-nos algumas regras para auxiliar no julgamento, mas não se pretende que a Bíblia nos dê certeza absoluta quanto à identidade das ovelhas e dos cabritos. Deus reserva essa atribuição para si.

Autor: Alan Pieratt

Trecho extraído do livro Sinais e Maravilhas: O Dedo de Deus ou os Chifres do Diabo?. Editora: Vida Nova

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