Semeando o Evangelho

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Semear a Verdade e o Amor de Deus

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

RESPONSABILIDADE E DETERMINISMO

Por Gordon Clark

O livre-arbítrio não é a base da responsabilidade. Em primeiro lugar, e em nível mais superficial, a base da responsabilidade é o conhecimento. A pecaminosidade dos gentios, conforme declarada no primeiro capítulo de Romanos, poderia ser cobrada deles porque – embora não gostassem de ter Deus na consciência – não foram totalmente bem-sucedidos na tentativa de esquecê-lo. Em todo pecado que cometiam tinham conhecimento do juízo de Deus segundo o qual todos quantos cometessem tais coisas eram dignos de morte. Tal conhecimento, sem dúvida, é inato; não advém das Escrituras, mas é o resquício da imagem de Deus, segundo a qual o homem foi criado. Lucas 12.47, significa o mesmo: “Aquele servo, porém, que conheceu a vontade de seu senhor e não se aprontou, nem fez segundo a sua vontade será punido com muitos açoites. Aquele, porém, que não soube a vontade do seu senhor e fez coisas dignas de reprovação levará poucos açoites”.

A explanação da responsabilidade, entretanto, é mais profunda do que o conhecimento. De fato, se entendermos a responsabilidade no seu sentido mais pleno, e se admitirmos que nos tornamos culpados em virtude do primeiro pecado do nosso cabeça federal, logo, em última análise, a nossa responsabilidade não se baseia jamais na nossa escolha. Romanos 5.17 diz “pela ofensa de um e por meio de um só, reinou a morte”, e a passagem prossegue: “como, pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos” (v. 19). Em conformidade com as Escrituras, a Confissão de Westminster declara: “Sendo eles o tronco de toda a humanidade, o delito de seus pecados foi imputado a seus filhos; e a mesma morte em pecado, bem como a sua natureza corrompida, foram transmitidas a toda a sua posteridade, que deles procede por geração ordinária” (VI, iii). A responsabilidade, portanto, tem de ser assim definida tanto para dar espaço à imputação, como também para explicar nossas ações voluntárias diárias.

É estranho que a literatura teológica tenha se esforçado tão pouco para definir responsabilidade. Falta igualmente encontrada tanto nos deterministas como nos indeterministas. Verdade é que se podem achar algumas declarações acerca da verdade, mas nem toda declaração verdadeira é uma definição. Uma vez mais, se soubéssemos precisamente do que estamos falando, nossa confusão poderia ser evitada.

A palavra responsabilidade dá a impressão de estar relacionada com dar uma resposta. Ou, responsabilidade máxima é prestar contas. O homem é responsável se estiver obrigado a prestar contas pelo que faz. Vamos, então, definir o termo dizendo que alguém é responsável se puder ser recompensado ou punido de modo justo pelos seus feitos. Isso implica que ele tem de prestar contas a alguém. Responsabilidade pressupõe a existência de uma autoridade superior, que tanto recompensa como pune. A autoridade máxima é Deus. Portanto, a responsabilidade é, em última análise, dependente do poder e da autoridade de Deus.

É justo, então, que Deus castigue um homem pelos feitos que o próprio Deus “determinou antes de serem feitos”? Deus foi justo em castigar Judas, Herodes, Pilatos e outros? As Escrituras respondem na afirmativa e explica por quê. Deus não é somente o criador do universo físico, não é somente o governador e juiz dos homens, é também o legislador moral. É a sua vontade que estabelece a distinção entre o certo e o errado, entre a justiça e a injustiça; é a sua vontade que prescreve as normas para a justa conduta. A maior parte das pessoas acha fácil conceber Deus como tendo criado ou estabelecido a lei física pelo fiat divino. Ele poderia ter criado um mundo com um número diferente de planetas, se assim o desejasse. Os teólogos não se incomodam com a suposição de que Deus pudesse ter exigido requisitos cerimoniais diferentes. Em vez de ter ordenado que os sacerdotes transportassem a arca nos ombros, Deus poderia ter proibido isso e ordenado que ela fosse colocada numa carroça puxada por bois. Mas, por alguma razão peculiar, as pessoas hesitam em aplicar o mesmo princípio de soberania na esfera da ética ordinária. Em vez de reconhecerem Deus como soberano na moral, elas pretendem sujeitá-lo a alguma lei ética independente e superior, uma lei que satisfaz as suas opiniões pecaminosas acerca do certo ou errado.

Calvino evitou essa posição inconsistente e antibíblica. Nas Institutas (As Institutas ou Tratado da Religião Cristã, Editora Cultura Cristã, 3ª ed., 2003, v. III, xxiii, 2, p. 411), ele diz:

Quão grande improbidade é meramente indagar as causas da vontade divina, quando ela mesma é a causa de tudo quanto existe, e com razão deve ser assim. Ora, se houvesse algo que fosse a causa da vontade de Deus, seria preciso que fosse anterior e que estivesse atada a tal causa, o que não é procedente imaginar-se. Pois a vontade de Deus é a tal ponto a suprema regra de justiça, que tudo quanto queira, uma vez que o queira, tem de ser justo. Quando, pois, se pergunta por que o Senhor agiu assim, há de responder-se: Porque Ele quis. Porque, se prossigas além, indagando por que ele quis, buscas algo maior e mais elevado que a vontade de Deus, o que não se pode achar.

Deus é soberano. Tudo quanto ele faz é justo, exatamente por esta razão: porque ele o faz. Se ele castiga alguém, esse tal é castigado justamente; e por isso o homem é responsável. Isso serve de resposta à seguinte forma de argumento: Tudo quanto Deus faz é justo; o castigo eterno não é justo; logo, Deus não castiga assim. Se aquele que argumenta assim quer dizer que recebeu uma revelação especial segundo a qual não existe o castigo eterno, não podemos tratar com ele aqui. Se, entretanto, ele não está recorrendo a alguma revelação especial da história futura, mas a algum princípio filosófico cuja pretensão é demonstrar que o castigo eterno é injusto, a distinção entre nossas posições torna-se imediatamente óbvia. Calvino rejeitou a visão do universo que produz leis, de justiça ou de evolução, em lugar de um Legislador supremo. Esse tipo de visão é semelhante ao dualismo platônico, que postulava um mundo de ideias superior ao Artífice divino. Num sistema desses, Deus é finito ou limitado, obrigado a seguir ou obedecer o padrão independente. Mas aqueles que se apegam à soberania de Deus determinam o que é justiça pela observação daquilo que Deus realmente faz. Tudo quanto Deus faz é justo. Aquilo que ele ordena aos homens para que façam, ou não façam, é semelhantemente justo ou injusto.

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