Semeando o Evangelho

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Semear a Verdade e o Amor de Deus

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

OS DOIS ASPECTOS DA SANTIFICAÇÃO

De quem é a obra da santificação? Observando o padrão de santificação, notamos que ela é obra de Deus e responsabilidade do seu povo.

A Escritura ensina claramente que Deus é o autor da santificação. A obra da santificação é atribuída às três pessoas da Trindade. Jesus orou ao Pai: “Santifica-os na verdade” (Jo 17.17), atribuindo, assim, a santificação ao Pai. O autor de Hebreus faz o mesmo: “Eles [nossos pais] nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia; Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes de sua santidade” (12.10). “Disciplina” (gr. paideuõ, literalmente “treinamento da criança”) sugere coisas como sofrimento, adversidade e perseguição. Já que o propósito da disciplina é que partilhemos da santidade de Deus, concluímos que o processo descrito é o da santificação, e que Deus talvez use coisas como sofrimento e dor como meios de santificação. Dessa disciplina, Deus, identificado no verso anterior como “Pai espiritual”, é dito aqui ser o autor.

A santificação, no entanto, é também atribuída ao Filho, como aprendemos de Efésios 5.25-27. Paulo diz aos seus leitores que o marido deve amar sua esposa

… como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito.

Cristo, a segunda Pessoa da Trindade, é identificado como o agente da santificação, purificando a igreja “por meio da lavagem de água pela palavra”. Muitos comentaristas entendem a primeira parte dessa expressão como referente ao sacramento do batismo; a passagem sugere que os dois sacramentos (Batismo e Ceia do Senhor) são meios de santificação. A expressão “pela palavra” deve ser relacionada com o verbo “purificar”. Cristo purifica a igreja por meio das Escrituras. É motivador saber que, segundo essa passagem, a igreja será um dia “sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante”.

Ainda que a palavra santificação não seja usada em Tito 2.14, esse texto também considera Jesus como o autor da santificação: “o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras”. Em 1 Coríntios 1.30, como vimos, Cristo é apresentado como nossa santidade ou nossa santificação.

A santificação é também comumente atribuída ao Espírito Santo. Pedro diz que os eleitos são “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência” (1 Pe 1.2). Paulo diz em Romanos 15.16: “para que eu seja ministro de Jesus Cristo entre os gentios, no sagrado encargo de anunciar o evangelho de Deus, de modo que a oferta deles seja aceitável, uma vez santificada pelo Espírito Santo”. Ele agradece também a Deus pela escolha dos tessalonicenses “para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade”. Em Tito 3.5 ele declara que Deus nos salvou “mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo”.

A obra da Trindade, entretanto, não pode ser dividida. Não é surpresa que a santificação seja atribuída ao Deus Triuno, sem designação de pessoas: “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo” (1 Ts 5.23).

É imensamente importante entender que a santificação não é algo que fazemos por nós mesmos, pelos nossos meios e pela nossa força. A santificação não é primariamente uma atividade humana; ela um dom divino.

Contudo, a santificação também envolve nossa participação responsável. Paulo diz aos membros da igreja de Corinto, chamados noutra epístola de “santificados em Jesus Cristo”: “Tendo, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus” (2Co 7 .1 ). As promessas são as que foram mencionadas nos versos anteriores: “serei o seu Deus e eles serão o meu povo”. Paulo está dizendo que já que somos o povo do pacto de Deus e temos uma responsabilidade solene. Temos que lutar contra o pecado do corpo e da mente. A palavra grega epitelountes, traduzida como “aperfeiçoar”, é baseada no substantivo telas (“fim”, “alvo”), e significa “conduzir progressivamente para o alvo”. O que geralmente entendemos “como obra de Deus” é aqui vivamente descrito como tarefa do crente: conduzir a santificação ao seu alvo.

Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm 12.1-2).

Paulo apela aos seus leitores que mostrem gratidão pela misericórdia de Deus, oferecendo-se a Deus como sacrifícios vivos, em contraste com os sacrifícios mortos oferecidos no Antigo Testamento. Pense em seu corpo, Paulo diz, como pertencente a Deus de modo irrevogável, tal como os bois e bodes oferecidos aos sacerdotes pelos adoradores do Antigo Testamento. Parem de moldar a si mesmos ostensivamente (syschematizesthe) pelos padrões pecaminosos desta época e, em vez disso, continuem a ser transformados (metamorphousthe) interiormente pela renovação total da atitude para com a vida. Ainda que seja Deus quem promova nossa transformação interior (2Co 3.18), temos que dedicar nosso coração, nossa mente e nossa vontade ao Espírito Santo, o qual está nos refazendo.

O autor de Hebreus colocou assim: “Segui a paz com todos e a santificação [ou santidade, gr. hagiasmos], sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14). A santificação é aqui descrita como algo que devemos buscar continuamente. Segundo a Escritura, portanto, ainda que a santificação seja primariamente obra de Deus em nós, não é um processo no qual permanecemos passivos, mas no qual somos continuamente ativos.

J. C. Ryle coloca de modo categórico:

A santificação (…) é uma coisa pela qual cada crente é responsável (…). De quem é a falta se ele [o crente] não é santo, mas pertence a si mesmo? Ou a quem pode acusar, se não for santificado, senão a si mesmo? Deus, que tem lhe dado graça e um novo coração e uma nova natureza, deixa-o sem desculpa se não viver para seu louvor.

Esses dois aspectos da santificação são mencionados juntos numa passagem marcante: “Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes (…) desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar” (Fp 2.12-13). Paulo está se dirigindo a “santos em Cristo Jesus” (1.1) e, portanto, a ordem de “desenvolver a salvação” tem que ser entendida não como um apelo evangelístico aos não salvos, mas como uma palavra para os crentes. Paulo pede aos seus leitores que continuem a desenvolver aquilo que Deus, em sua graça, já operou. A palavra katergazesthe, traduzida como “desenvolvei”, é comumente usada em papiros (breves manuscritos, datados de 200 a.C. a 200 d.C., que ilustram alguns usos de palavras do Novo Testamento) para descrever o cultivo de terras pelos fazendeiros. Podemos parafrasear as palavras de Paulo desta forma: “Continuem a cultivar a salvação que Deus lhes deu”. Os crentes devem buscar aplicar continuamente a salvação que receberam para cada área de sua vida, e fazer isso evidente em cada atividade. O verso 12, em outras palavras, precisa ser entendido como falando da responsabilidade de progredir na santificação.

A base para essa exortação, como dada no verso 13, não é que a operação da salvação depende inteiramente de nós. Ao contrário, surpreendentemente, Paulo diz: “porque Deus é quem opera em vós tanto o querer quanto o realizar”. Deus opera em nós ao longo de todo o processo de santificação – tanto o querer quanto o realizar. Quanto mais duro o trabalho, mais nos asseguramos de que Deus está operando em nós.

Como descrever a relação entre a obra de Deus e nosso trabalho? Podemos nós dizer, como outros, que a santificação é uma obra de Deus na qual os crentes cooperam? Essa maneira de expor a doutrina, entretanto, implica erroneamente que Deus e eu fazemos parte da obra da santificação. Segundo John Murray,

A obra de Deus em nós não é suspensa em decorrência da nossa atividade nem a nossa atividade é suspensa em decorrência da atividade de Deus. Tampouco é uma relação estritamente de cooperação, como se fizesse Deus a sua parte e nós a nossa (…) Deus opera em nós e nós também operamos. Toda e qualquer operação da salvação, de nossa parte, é o efeito da operação de Deus em nós.

Em suma, podemos dizer que a santificação é a obra sobrenatural de Deus na qual os crentes são ativos. Quanto mais somos efetivos na santificação, mais certos estamos de que vem de Deus o poder energizador que nos habilita a essa atividade.

Autor: Anthony Hoekema

Trecho extraído do livro Salvos pela Graça, pág 196-200. Editora: Cultura Cristã

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