A restauração de Sansão (Juízes 16:22-31)
Depois que os filisteus capturaram Sansão, decidiram comemorar a vitória com uma grande festa. Ofereceram um culto de adoração com sacrifícios a Dagom, o deus dos grãos. Os filisteus louvaram sua divindade por entregar-lhes seu maior inimigo. O tempo entre o aprisionamento e a festa não é mencionado. Alguns meses devem ter se passado, porque o cabelo de Sansão estava crescendo, indicando sua restauração espiritual.
Todavia, o relato do último ano da vida de Sansão é conciso. Apesar da pouca evidência no texto, inferimos, logicamente, que, durante o tempo na prisão, a força de Sansão retornou, uma vez que demonstrou arrependimento por seus pecados com Dalila. Gill alude que Sansão agradou a Deus, que aceitou sua oração sincera, e, de boa vontade e prazer, renovou sua força, especialmente em seu último clamor”.31
Sansão é humilhado pelos filisteus (v. 23-27)
Dagom era considerado um deus-peixe, mas, esta identificação baseava-se apenas na semelhança com a palavra hebraica para peixe. Pesquisas arqueológicas modernas têm demonstrado, conclusivamente, que ele era o deus do grão, ou da vegetação, adorado na Mesopotâmia, em meados do terceiro milênio a.C., e levado aos países a oeste do Mediterrâneo, pela migração semítica dos primórdios do segundo milênio. A palavra hebraica para grão possivelmente derivou do nome de Dagom. Havia um templo a Dagom na Ugarite do século 14; ele aparece como o principal deus dos filisteus que formavam uma classe dominadora, imposta a uma população nativa cujos costumes e religião adotaram prontamente. Dagom era adorado em Bete-Seã, no reinado de Saul (1 Samuel 31:10; 1 Crônicas 10:10) e em Asdode, até o período dos macabeus (1 Samuel 5:2-7). A larga difusão deste culto é mostrada nos dois estabelecimentos de Bete-Dagom: um em Judá (Josué 15:41) e o outro em Aser (19:27).32
Nestas festas, as pessoas faziam bastante uso de vinho. Quando os participantes ficavam embriagados, cometiam muitas loucuras. Relações sexuais e orgias eram comumente praticadas. Neste contexto, os filisteus pediram que trouxessem Sansão [o “prêmio” deles] do cárcere para que os entretivessem. O verbo divertir, neste contexto, traz a ideia de “riso”, “escárnio”. Os filisteus desejavam que Sansão os entretivessem, como nas apresentações que geralmente acontecem em feiras ou circos: um homem forte realizando peripécias (v. 25).
Contudo, ele não o fez “ativamente, mas passivamente, pois, um homem de tão grande espírito como Sansão, mesmo naquela circunstância “humilhante”, não faria, seja com palavras ou gestos, qualquer coisa para divertir os filisteus. Sansão era um objeto de chacota e desprezo de seus inimigos, mas suportou, pacientemente, suas zombarias e afrontas. Entretanto, foi uma distração para os filisteus ver Sansão acorrentado, tateando e titubeando, de um pilar ao outro, e talvez levando bofetadas e sendo cuspido.33
Quando agradeceram a Dagom por ter-lhes entregado Sansão, os filisteus vociferaram: aquele que destruía a nossa terra e matou muitos de nós agora está em nosso poder! [NVT] (v. 24). Essa locução remonta as proezas executadas por Sansão contra os filisteus em seu trabalho como libertador militar, onde assassinou trinta homens em Ascalom, alguns em Timna, e mil com o maxilar de jumento, em Leí (veja 15:3-19; 16:1-3).
Após o término ou intervalo do jocoso espetáculo, Sansão foi colocado entre as duas colunas que sustentavam o teto do recinto, onde os filisteus estavam cultuando a Dagom (v. 25b). Sansão pede ao empregado que o guiava para posicionar suas mãos nas duas colunas que esteavam o templo, alegando que precisava se apoiar, talvez por cansaço, mas também por “estratégia”. O ambiente estava repleto de pessoas; cerca de 3 mil homens e mulheres observavam Sansão da cobertura e se divertiam com sua humilhação. Os governantes filisteus também estavam presentes (v. 27).
É muito provável que os oficiais e governantes estivessem num recinto coberto que dava para um pátio, construído sobre uma série de pilares de madeira, fixados em bases de pedra, os quais sustentavam também o teto, sobre o qual o povo se reunia. Pode-se imaginar que os expectadores no teto, aglomerados na frente, para poderem ver melhor, fizeram com que a estrutura toda ficasse instável. Sansão deveria estar ciente do projeto de construção, e das possibilidades oferecidas pela situação. Quando o espetáculo terminou, ou teve um intervalo, Sansão foi deixado entre as colunas (25b), bem debaixo da plataforma, onde os governantes poderiam vê-lo bem de perto.34
A vingança final (v.28-30)
Pela segunda vez, Sansão orou a Deus. “Ele implorou para que fosse lembrado e fortalecido para se vingar dos filisteus por lhe terem cegado”.35 Antes, quando executou cerca de mil filisteus em Leí, ele se dirigiu ao Senhor como “tu” (15.18). Mas isso não significa que Sansão buscou a Deus apenas nessas ocasiões. O escritor de Juízes registrou apenas os fatos importantes da vida de Sansão. Portanto, é claramente admissível que ele tenha invocado o Senhor muitas vezes em oração.
Consequentemente, Deus respondeu a oração de Sansão, atribuindo-lhe força sobrenatural novamente, para que se vingasse de seus inimigos, nesta última batalha. Muitos filisteus estavam na parte superior do templo, e se agregavam na frente. Neste momento, Sansão encontrava-se embaixo deles. Abraçando [ou, literalmente, agarrando] fortemente os dois pilares centrais que esteavam o templo, Sansão empurra-os para frente, na direção do pátio. Se tivesse impelido as colunas para os lados, ele não poderia “abraçá-las”, mas apenas “tocá-las”, com os braços quase esticados. Nessa posição, Sansão não conseguiria derrubar os pilares, pois ficaria sem impulso para forçá-los. “As colunas principais foram deslocadas, movendo-se para fora de suas bases de pedra. Quando o teto desabou, muitos morreram imediatamente; outros, porém, foram esmagados pelo pânico superveniente”.36
A morte e o sepultamento de Sansão (v. 30-31)
Em sua derradeira façanha, Sansão exterminou mais filisteus do que em outras circunstâncias – aproximadamente 3 mil pessoas. Todavia, a maior vitória de Sansão dimanou de sua morte. Jordan James aponta que o número das vítimas de Sansão, em 20 anos como juiz, foi maior do que o número de mortos em sua última proeza. Contudo, essas mortes sobrepujaram o número de todas as mortes pregressas relatadas na história.37
Lamentavelmente, muitos evangélicos interpretam o ato de Sansão como suicídio – e não como um sacrifício impreterível – por sua nação e para a glória do Senhor. Ainda que o arrependimento e a oração de Sansão “pareçam” demonstrar o contrário, sua morte não foi “planejada”, mas uma consequência inexorável de sua bravura. A estratégia de Sansão para sua última missão foi anuída por Deus.
Thomas Constable ratifica que não devemos considerar a morte de Sansão como suicídio, mas como martírio (Hebreus 11:32); ele morreu em batalha.38
Coffman adiciona:
Sansão orou a Deus para que lhe fosse permitido morrer, porque era o único caminho para se livrar da terrível desgraça em que havia caído; e Deus respondeu sua oração. Porém, a morte de Sansão não deve ser entendida como um suicídio. Ele não foi um suicida, mas um herói, pois viu que era necessário agir daquela forma com a inevitável certeza da morte, para assim efetuar a libertação [inicial] do seu povo, e mostrar a superioridade do Deus de Israel sobre Dagom.39
MacArthur endossa que Sansão morreu pela causa da sua nação e do seu Deus. Ele não cometeu suicídio, mas trouxe o castigo de Deus sobre os inimigos; ele se dispôs a oferecer a Deus em sacrifício a sua vida ou a sua morte. Ele foi o maior campeão de todo o Israel.40
François Turretini completa:
O exemplo de Sansão não favorece o suicídio. Este foi um ato singular, perpetrado pela influência extraordinária do Espírito Santo. Hebreus 11:34 afirma que ele fez isso pela fé, baseado nas orações que ofereceu a Deus para a obtenção de força extraordinária, e no fato de que elas foram ouvidas. Deus concedeu força a Sansão e lhe outorgou o desejado sucesso, para que assim ele fosse um eminente tipo de Cristo, que destruiu seus inimigos por meio de sua morte e quebrou o jugo tirânico imposto em seu povo. O desígnio de Sansão não tencionava simplesmente uma vingança privada, mas a vindicação da glória de Deus, da religião e do povo, uma vez que era uma pessoa pública e levantada por Deus dentre o povo como vingador.41
A morte de tantos filisteus, bem como dos governantes do povo, foi uma derrota tão austera para eles que não incomodaram Israel por vários anos, nem mesmo tentaram impedir que os parentes de Sansão removessem seu corpo dos escombros e o sepultasse.42
No mundo antigo, um cadáver era visto como algo muito importante (Amós 2:1; Jeremias 8:1-2). Como Sansão devia ser filho único, e Manoá já estava morto, “seus irmãos” e a “casa de seu pai” [ou “parentes”] devem ser entendidos genericamente, referindo-se a seus conterrâneos e seu grupo tribal. Sansão foi enterrado numa colina montanhosa, próxima ao vale de Soreque.
CONCLUSÃO
Sansão foi um homem insólito. Excessivamente forte. Distinto dos outros juízes. Incompreendido por muitos. Operou sozinho contra o domínio filisteu. As tribos subjugadas não acolitaram com ele. Israel não pediu sua libertação, mas Deus, soberanamente, decidiu “começar” a libertar seu povo com Sansão (Juízes 13:5).
Muitos teólogos aduzem erroneamente que Sansão fracassou em desempenhar seu chamado. Ele não falhou; cumpriu fielmente seu ministério de cunho “preliminar”. Foi o juiz mais “possuído” pelo Espírito de Deus (veja Juízes 13:25; 14:6; 15:4). Indelevelmente, Sansão não foi apenas salvo, mas um tipo de Cristo – o soberano juiz e redentor – que morreu para a glória de Deus e pela “libertação” [inicial] de Israel da subserviência filisteia, “completada” no reinado de Davi.
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